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domingo, 26 de julho de 2015

Urna funerária milenar é achada em fazenda no Nordeste baiano

Urna em que índio foi enterrado há mais de mil anos foi encontrada em povoado de Esplanada

Clarissa Pacheco (clarissa.pacheco@redebahia.com.br)

Quando começou a arar um pedaço de terra no povoado de Canabrava, em Esplanada, no Nordeste da Bahia, o lavrador Viriliano de Jesus, 60 anos, nem de longe imaginava que sua propriedade fosse virar local de romaria de vizinhos e conhecidos do restante do povoado e arredores.
Até um professor de História levou a turma inteira para visitar um tal buraco, de onde seu Viriliano tirou um pote de barro em maio deste ano. 
“É uma roça que ele comprou há uns dez anos e, aos poucos, está beneficiando. O trator estava retirando a terra e, após esses processos, meu pai percebeu que tinha alguma coisa diferente. A princípio, era um buraco e depois ele percebeu que tinha um pote dentro”, conta a assistente social Edileusa Santos de Jesus, 26, filha de seu Viriliano.
Jeanne Dias, com urna em que índio foi enterrado há mais de mil anos
(Foto: Evandro Veiga)
O trator parou e os poucos homens que trabalhavam no arado foram cavando a terra até sair de lá um vasilhame de cerâmica de cerca de 1,20 metro de altura e com formato de pera. Para completar o achado, dentro do vasilhame a família de seu Viriliano encontrou dentes humanos.

Sem que ninguém soubesse do que se tratava, a relíquia tinha tudo para ser descartada, como arqueólogos afirmam acontecer em muitos casos. Mas a curiosidade falou mais alto.
Edileusa enviou um e-mail para o secretário municipal de Cultura e Turismo de Esplanada, Kid Will Vaca, que entrou em contato com a Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na Bahia (Iphan).
Cerca de dez dias depois, três representantes do Núcleo de Arqueologia do Iphan estavam lá para recolher e catalogar o que identificaram como sendo uma urna funerária indígena, da tradição Aratu. 
Avaliação
De acordo com a arqueóloga Jeanne Dias, que faz parte do núcleo, não é possível ainda cravar a idade da urna, mas a cerâmica usada nela, sem decoração, se assemelha ao tipo de urna de cerâmica encontrada nos anos 1970 pelo arqueólogo Valentin Calderón nas imediações da Baía de Aratu – por isso o nome “tradição Aratu”.
Aquelas datavam de 1.000 e 1.500 anos AP (antes do presente, datação que toma como referência o ano de 1950), assim como urnas localizadas em 2011 pelo também arqueólogo Carlos Etchevarne na aldeia de Água Vermelha, em Pau Brasil, no Sul do estado, e no povoado de Piragiba, em Muquém de São Francisco, no Vale do São Francisco.
Técnicos do Iphan com o produtor rural Viriliano de Jesus (chapéu de palha), que fez a descoberta histórica
(Foto: Iphan / Divulgação)
“Provavelmente, essa urna também estará nesta escala, mas ainda não podemos dar uma datação exata”, explica Jeanne. O que os arqueólogos sabem é que a urna abrigava o corpo de um adulto e que ela, provavelmente, era usada como utilitário para armazenar água e alimentos na aldeia.
Quando alguém morria, o corpo era posto na urna e enterrado. “Eles eram colocados em posição fetal e logo após a morte, antes de atingirem o estágio de rigidez cadavérica, para caber”, conta o também arqueólogo Luiz Viva.
Fortuito
Outras urnas funerárias indígenas já foram encontradas na Bahia, mas uma descoberta casual recebe atenção redobrada do Iphan. “Achados fortuitos não podem ficar nas mãos de populares. Então, em 10 dias, a gente estava lá. Recolhemos o material e fizemos o registro do local como sítio arqueológico”, explicou o técnico em Arqueologia do Iphan, Alexandre Colpas.
Com o registro de sítio arqueológico, o povoado de Canabrava fica protegido de qualquer tipo de destruição ou mutilação. Também não pode haver aproveitamento econômico dos monumentos arqueológicos - eles não podem ser vendidos, por exemplo. Na prática, o proprietário não perde o título da terra, mas se uma estrada passasse por lá, por exemplo, agora seria preciso fazer um desvio.
Ou seja, a orientação a seu Viriliano agora é comunicar ao Iphan o possível aparecimento de outras urnas. “Onde a gente encontra uma urna funerária, a gente identifica como área de enterramento. E, com certeza, onde tem uma, tem outra”, assegura Jeanne.
Romaria  
A curiosidade em torno do pote misterioso promoveu verdadeiras romarias à propriedade rural. “Muita gente foi lá visitar movida pela curiosidade, porque não foi só o pote. Dentro, tinham alguns dentes humanos”, contou Edileusa, que ficou surpresa com tantas visitas.
“Todos os dias era aquela romaria de gente querendo ver o pote. Foi assim por vários dias. Depois teve um professor de História que levou os alunos para conhecer. Mesmo depois de ter levado o pote, ele levou os alunos para ver o buraco”, relatou ela.
Quem participou das visitas teve oportunidade de estar perto de uma descoberta pouco comum. “Apesar de achados fortuitos serem recorrentes, essa é a última urna íntegra recolhida pelo Iphan nos últimos dez anos”, destaca Luiz Viva. 
Além do pote, também foi encontrado o opérculo (tampa) em pedaços. A peça é mais uma que pode ajudar a revelar como viviam aqueles povos antigos. Segundo a equipe, a urna pertencia a índios ancestrais dos tupis. 
Na região, fala-se que potes como esse já foram achados e destruídos, porque as pessoas não sabiam o valor histórico. “Mas esse, que encontraram há pouco tempo, eles tiveram a curiosidade de procurar a gente. Foi um trabalho de resgate muito bom”, avaliou o secretário Kid Will Vaca.
Resgate
De acordo com o arqueólogo Luiz Viva, o próximo passo é higienizar e catalogar a urna. Ela vai passar a constar no Centro Nacional de Arqueologia (CNA) e poderá ser estudada por outros grupos. A urna viajou 165 quilômetros de Esplanada até Salvador e foram necessários cinco homens para levantá-la.
Antes disso, na propriedade de seu Viriliano, a urna foi transportada num carrinho de mão e os próprios moradores fizeram uma espécie de contenção, com cordas e elásticos, para evitar que a peça fosse danificada. Agora, ela está sob os cuidados do Núcleo de Arqueologia do Iphan, que funciona no museu da Casa dos Sete Candeeiros, no Centro Histórico de Salvador.
De lá, a urna poderá ir para um museu ou universidade. Já existem peças como essa no Museu da Arqueologia e Etnologia  (MAE), na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), no Terreiro de Jesus, achadas em Muquém de São Francisco. Na época, entre 1996 e 1998, foram localizadas cerca de 120 urnas após uma enchente.
Descoberta arqueológica não põe posse de propriedade em risco
De acordo com o arqueólogo Luiz Viva, integrante do Núcleo de Arqueologia da Superintendência do Iphan, achados arqueológicos como o de Esplanada não asseguram mais o direito sobre a terra para descendentes, como já aconteceu no passado.
Ou seja, o fato de ter sido encontrada uma urna funerária na propriedade de seu Viriliano de Jesus, na zona rural de Esplanada, não significa que ela será desapropriada e entregue a povos indígenas.
“Esses vestígios de ocupação não têm relação com as ocupações de hoje. São descendentes de outras ocupações humanas, de um grupo diferente e anterior aos tupis que os portugueses encontraram hoje”, diz Viva. Segundo ele, há outros mecanismos que podem atestar a ancestralidade indígena em uma região.
De qualquer forma, não há, no distrito de Canabrava, disputa entre fazendeiros e povos indígenas por posse de terra. Outra “lenda” comumente espalhada é que potes de barros enterrados guardam ouro. Os arqueólogos fazem questão de pôr fim a essa falsa esperança.
“Essa é uma expectativa bastante difundida, mas a gente tenta difundir o contrário. Você não vai achar ouro. No máximo, vai achar ossos. É por isso que a gente encontra muitas dessas urnas escavadas e quebradas”, lamenta Viva.

FONTE:
Correio 24 Horas

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