POR CEARÁ AGORA - Recursos são cada vez mais direcionados ao funcionalismo, o que dificulta investimentos e atendimento de demandas da população. Situação se agrava com a crise fiscal e a diminuição de repasses às cidades
Os prefeitos a serem eleitos em outubro terão o desafio de encontrar recursos para atender às demandas dos cidadãos, em meio a uma crescente e ininterrupta despesa com servidores municipais: pesquisa da FGV-Dapp mostra que, desde 2000, os gastos per capita com os servidores municipais aumentaram 210,5%, conta ALESSANDRA DUARTE. Para cada brasileiro, a despesa anual com o funcionalismo municipal passou de R$ 216 para R$ 671. Com novas atribuições desde a Constituição de 88, as prefeituras precisaram contratar mais gente, deixando pouco espaço para investimentos. A situação piorou com a crise fiscal dos estados e da União, de onde vem boa parte dos recursos aos municípios. As prefeituras brasileiras estão entre o fogo da crise econômica e a frigideira da demanda do eleitor por melhores serviços. Desde 2000, os gastos anuais per capita com os servidores municipais subiram 210,5%: para cada brasileiro, o gasto por ano com o funcionalismo municipal passou de R$ 216 para R$ 671. Apontada em estudo inédito da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGVDapp), numa parceria com O GLOBO para as eleições deste ano, a disparada da folha de pagamento municipal é reflexo da municipalização de serviços desde a Constituição de 1988.
Com mais atribuições, os municípios precisaram contratar mais gente e comprometeram o orçamento com a folha, deixando pouco espaço para investir. Soma-se a isso a crise fiscal dos estados e da União, de onde vem boa parte do dinheiro repassado a prefeituras. Está criado o quadro de municípios quebrados que aguarda os próximos prefeitos.
Baseada em dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2014 e coordenada pelo diretor da FGV/Dapp, Marco Aurélio Ruediger, a pesquisa mostra que, apesar de também terem subido, os gastos per capita com funcionalismo estadual e federal cresceram bem menos no período (85,7% e 74,2%).
No mesmo intervalo, os gastos totais com vínculos de servidores municipais (sem a divisão per capita), por ano, subiram de R$ 37,4 bilhões para R$ 136 bilhões, um aumento de 263% — também maior do que a elevação de gastos totais nos níveis estadual e federal.
— Das três esferas, a municipal foi a mais sobrecarregada. Ganhou responsabilidades em áreas como Saúde e Educação; no entanto, muitos municípios não têm capacidade de gerar receita e dependem de repasses dos outros níveis de governo, que também enfrentam crise — diz Amaro Grassi, um dos pesquisadores do estudo, ao lado de Miguel Orrillo e Wagner Oliveira. — Essa demanda não diminuirá. Desde os protestos de 2013, tem sido uma pressão crescente por acesso e qualidade.
REPASSE DE RESPONSABILIDADES AOS MUNICÍPIOS
Presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski exemplifica a situação atual das prefeituras:
— Em 1988, havia cerca de 40 mil servidores municipais na Saúde. Hoje, são cerca de um milhão e meio, com os profissionais, por exemplo, do programa Saúde da Família. Ao longo desse período, a União foi se eximindo das ações na área social e repassando para as prefeituras. Criam piso para o magistério. Quem tem de arcar é a prefeitura.
Grassi destaca que, apesar de sobrecarregados, os municípios são o nível de governo que paga os salários mais baixos, o que dificulta que se mantenha pessoal qualificado:
— As prefeituras são as que mais recorrem a terceirizações e outras contratações não efetivas. Foi como muitos municípios fizeram crescer sua estrutura de pessoal para atender às novas responsabilidades que ganharam.
A diferença entre salários dentro das administrações municipais nas capitais também foi pesquisada, apontando as que têm o funcionalismo mais desigual — numa espécie de Índice de Gini dos servidores. A capital com rendimento mais desigual é Cuiabá. Ao GLOBO, a prefeitura afirmou que a atual gestão realizou uma “organização da estrutura da carreira dos profissionais, buscando mais reconhecimento para os servidores”, e que “aprovou na Câmara Municipal novos Planos de Cargo e Carreira do Servidor para algumas categorias”.
O estudo da FGV-Dapp mostra ainda o número de servidores por mil habitantes nas capitais. Das dez capitais com mais servidores em relação à sua população, nove são municípios que tiveram em 2015 conceito D em investimentos no índice de gestão fiscal dos municípios da Firjan; o conceito D significa gestão crítica da área.
— Quanto mais se gasta com uma determinada área, no caso, pessoal, menos se tem para outras. A questão é que as prefeituras assumiram serviços, mas muitas têm baixa capacidade de gerar receita de tributos, não têm uma atividade econômica intensa, principalmente as cidades menores e em regiões pobres, onde há grande demanda por mais e melhores serviços públicos — analisa o pesquisador da FGV.
Uma melhor seleção de prioridades pelos prefeitos está entre os caminhos apontados por Grassi como possível saída desse quadro de dificuldades financeiras das prefeituras:
— Como reorganizar a gestão das contas vai ser o desafio para este próximo ciclo de prefeitos, vão ter de pensar em um processo de escolha de prioridades e como essa escolha será feita, quem vai participar desse processo. Vai ser fundamental para que essas novas prioridades tenham êxito.
NO RIO, GASTO COM PESSOAL DA SAÚDE DIMINUIU
Os funcionalismo da prefeitura do Rio também foi analisado pela FGV-Dapp, que olhou os gastos autorizados com pessoal de 2013 a 2016, segundo a Lei Orçamentária Anual do município. Enquanto os gastos com pessoal para o gabinete do prefeito tiveram aumento real (acima da inflação) de 62,8%, a área que mais preocupa o eleitor, a Saúde, teve queda real nos gastos com pessoal de 0,1%, seguida das ações voltadas às pessoas com deficiência (queda de 1,5%) e de Habitação e Cidadania (queda de 2,7%). A maior queda real foi nos gastos com pessoal de Ciência e Tecnologia (21,4%). Em 2013, os gastos com pessoal equivaliam a 44,5% do orçamento municipal do Rio, percentual que foi para 50,5% este ano, segundo a FGV-Dapp.
A prefeitura afirmou que, “diante do quadro de mais de 160 mil servidores, para analisar a folha de pessoal e fazer comparações, deve-se levar em conta fatores, como movimentação de funcionários entre órgãos, exonerações, aposentadorias, promoções e, até mesmo, criação e extinção de pastas e órgãos. Não é possível fazer uma leitura linear e uma comparação simples entre as secretarias”.
Com informações do O Globo.
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