Autor indígena premiado internacionalmente destacou, na Flica, que é preciso desconstruir o estereótipo
Por Correio 24 Horas
“Apesar dessa minha aparência, do meu cabelo liso, dos meus olhinhos puxados, da maçã do rosto saliente, eu não sou índio. Ainda diria mais: não existem índios no Brasil”, disse o escritor paraense Daniel Munduruku, 53 anos, premiado internacionalmente por sua contribuição com a literatura indígena, durante a última mesa da Festa Literária Internacional de Cachoeira, na manhã deste domingo (8).
Por Correio 24 Horas
“Apesar dessa minha aparência, do meu cabelo liso, dos meus olhinhos puxados, da maçã do rosto saliente, eu não sou índio. Ainda diria mais: não existem índios no Brasil”, disse o escritor paraense Daniel Munduruku, 53 anos, premiado internacionalmente por sua contribuição com a literatura indígena, durante a última mesa da Festa Literária Internacional de Cachoeira, na manhã deste domingo (8).
Pertencente à etnia indígena mundurucu e graduado em filosofia, história e psicologia, com mestrado em antropologia social pela USP, Daniel justificou que ser chamado de índio é um apelido, já que envolve um estereótipo que habita o inconsciente coletivo. De um lado, exemplificou o autor, existe a imagem do índio que vive na floresta, “tranquilão, respirando ar puro” e que fica o tempo inteiro na rede “coçando o pé”. Do outro, há a visão do “índio preguiçoso, selvagem, atrasado, sujo e traiçoeiro”.
“Nascer índio é um defeito, porque essa imagem foi o tempo inteiro sendo jogada na cabeça da gente”, denunciou Daniel, durante a mesa A Imperdoável Capacidade Humana de Apagar seus Antepassados, que contou mediação de Suzane Lima Costa e participação da professora, escritora e ativista carioca Eliane Potiguara. Esse estereótipo, destacou Daniel, foi sendo construído na memória ao longo do tempo, principalmente por meio da formação do pensamento universitário e das escolas, que “seguem a lógica colonialista”.
“A palavra índio não retrata minha experiência de pertencimento a um povo. Não sou índio, sou mundurucu. Pertenço a um povo e esse povo tem um lugar, uma história, tradição, cultura, religiosidade, economia... No entanto, quando as pessoas me chamam de índio, elas ignoram a minha experiência de humanidade. Quando digo que não sou índio, digo que não sou uma ideia que as pessoas desenvolveram equivocadamente. É isso que nós queremos trazer com a literatura que nós escrevemos”, justificou.
Filha de nordestinos, pobres, mulheres e negras, “quatro tipos de discriminação”, Eliane Potiguara reforçou que os povos indígenas não são pessoas que não querem trabalhar. “Lutamos para um desenvolvimento sustentável voltado para nossa produtividade. Os povos negros e indígenas, sempre foram os mais discriminados. Deveríamos ter mais compaixão, solidariedade e não pena e discriminação. É isso que os povos indígenas sofrem em cinco séculos de colonização”, denunciou Eliane, 67.
A professora, escritora e ativista carioca Eliane Potiguar também participou da mesa A Imperdoável Capacidade Humana de Apagar seus Antepassados (Foto: Paolo Paes/Divulgação) |
Nomeada embaixadora universal da paz, em Genebra, a autora chamou a atenção para o fato de que existem mais de 330 povos indígenas no Brasil, “cada um com uma raiz, com suas características linguísticas, com sua cultura”. Apesar disso, o preconceito não permite que essa diversidade tenha espaço. “Como indígenas, sempre fomos povos invisíveis”, lamentou. “Demos um passo grande e não vou dizer que saímos da invisibilidade, mas estamos visíveis. Esse momento é um momento histórico que vocês estão vendo: pela primeira vez, dois escritores indígenas na Flica”, comemorou.
Durante o evento, Daniel Munduruku destacou que já existem 180 títulos de escritores indígenas publicados no país e que faz literatura para ajudar o Brasil “a rir de si mesmo”. “Aprendi com um filosofo grego que a melhor forma da gente incomodar, é ironizando as coisas. Um pouco da minha verve literária veio da capacidade de olhar para os acontecimentos do mundo e rir. Rir da gente mesmo é uma forma de proteção. Fazer piada de si mesmo é sempre o melhor remédio”, defendeu.
O autor também chamou a atenção para o fato de que é necessário construir uma identidade e autoestima indígena no Brasil, que segue resistindo. “Os povos indígenas estão sobrevivendo, estamos tentando nos manter vivos. É muito sofrimento, lamento, choro. Mas se tem uma coisa que me orgulho é que temos uma resistência que tem a ver com o espírito da gente, com nossa alma ancestral. É essa dignidade que nos causa alegria. Não somos seres do passado, somos seres contemporâneos desse mundo em transformação”, finalizou.
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