ADOLESCÊNCIA
Gravidez precoce: o problema não é mais a falta de informação
11.08.2013
A redução do índice de gestação mostra que informação existe, mas garotas engravidam por muitos outros motivosHá muito tempo, sabe-se que a gravidez precoce pode ser atribuída a uma enorme gama de fatores, mas apenas em ínfimos casos a falta de informação sobre prevenção é um deles. No Ceará, os índices de gestações em garotas na faixa etária que vai até os 18 anos vêm caindo de forma progressiva nas últimas décadas, redução que pode ser atribuída, principalmente, à ampla divulgação das campanhas de conscientização e à distribuição gratuita de contraceptivos na rede pública de saúde. Com isso, de 2005 para 2012, a quantidade de partos em adolescentes cearenses passou de 32.174 para 25.996, conforme a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).
A queda é de quase 20%. Ainda assim, os números são altos. Somente no passado, as pequenas mães, algumas beirando a infância, deram à luz mais de 26 mil bebês, aproximadamente 21% de todos os nascidos vivos no Estado, de acordo com o Sistema de Informações de Nascidos vivos (Sinasc). Mas, se a grande maioria dos especialistas em natalidade afirma que os métodos anticoncepcionais são conhecidos, o que leva tantas garotas a engravidarem antes de atingirem a fase adulta, sem possuírem independência financeira e, sobretudo, estabilidade emocional para cuidar de uma criança?
Segundo Adolfo Serripierro, ginecologista e fundador da Associação Maria Mãe da Vida, que atende cerca de 1.500 adolescentes grávidas provenientes da periferia de Fortaleza, o motivo mais óbvio é o descuido no que diz respeito às precauções.
"Elas não engravidam por acaso. A maioria conhece os métodos, mas não liga. Eu pergunto: ´você se protegeu?´, e as meninas respondem ´Ah, esqueci´. Mas também acontece de, por afeto ao parceiro, elas deixarem de se prevenir", explica o médico.
Indesejada?
Uma segunda razão para a gravidez precoce, contudo, não é tão previsível. Ao contrário do que se pensa, a "surpresa" nem sempre é completamente indesejada e, logo, causadora de medo e preocupação em adolescentes.
Iodésia Amaral, ginecologista, obstetra e psiquiatra da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) diz que, para algumas garotas, a gestação se tornou algo bem-vindo ou uma possibilidade à qual já estão habituadas, em parte devido ao convívio com outras mulheres que engravidaram cedo e à iniciação prematura da vida sexual. As histórias de duas jovens podem exemplificar o que a médica afirma.
A apenas um mês de dar à luz seu primeiro filho, a adolescente Beatriz (nome fictício), de 13 anos, conta que, ao saber da espera do bebê, não demonstrou abalo ou receio, apenas encarou a notícia com naturalidade. "Só pensei que tinha que criar", diz. Sobre o futuro, a menina acredita que nada deve mudar. A sogra cuidará do filho recém-nascido enquanto estiver em aulas, o namorado, de 24 anos, proverá o sustento da família e ela continuará morando na casa da mãe, na Barra do Ceará.
Já a jovem Joyce da Silva ficou grávida pela primeira vez aos 17 anos, depois aos 19, e agora, aos 22, espera o terceiro filho. Nenhuma das gestações foi programada, mas também não foi evitada. Ela e o então namorado da mesma faixa etária moravam juntos, no bairro Vila Velha, com a aprovação dos pais de ambos. "Se a gravidez viesse, tudo bem, porque sempre gostei de crianças e queria ter filhos. A partir do momento em que soube que estava grávida, eu e minha família ficamos muito felizes", conta.
Segundo Iodésia Amaral, o primeiro caso, que mostra a indiferença de Beatriz, atesta que, por conta da pouca idade, muitas garotas ainda não têm noção sobre as consequência de seus atos, por mais significativos que sejam. "Essa capacidade de reflexão é algo que vem com a maturidade. Elas só vão perceber o que perderam muito mais à frente. Isso se torna pior porque os pais lhes tiram a possibilidade de entender a importância do que passou", avalia a obstetra.
A reação de Joyce, entretanto, revela uma outra vertente mais alarmante, agravada em situações de adolescentes de classes sociais inferiores. "Algumas adolescentes tentam alçar um papel social, já que não possuem, na circunstância em que vivem, condições de se desenvolver na escola, ter uma vocação. Elas querem assumir uma postura de adulto e optam por essa via devido à identificação com a função de mãe, o lugar de mulher, mas não estão preparadas para isso", afirma a obstetra.
Perigos
As consequências de uma gravidez precoce, seja ela indesejada ou não, podem ser graves e irreversíveis. Aliados aos prejuízos sociais, a exemplo do abandono escolar e a ausência de oportunidades de emprego, Elson Almeida, obstetra do Hospital Geral Dr. César Cals, afirma que a gestação muito cedo acarreta grandes chances de ocasionar enfermidades físicas, como hipertensão, infecções urinárias e pré-eclâmpsia, e psicológicas. "A adolescente passa por mudanças hormonais e ambientais para as quais ela não está preparada e isso pode gerar ansiedade e depressão", cita.
Ele destaca, ainda, que os perigos não se restringem apenas às mães, mas também aos filhos. Quando as gestações são de alto risco, envolvendo garotas com disfunções nutritivas ou que costumam consumir álcool ou drogas, a prematuridade dos bebês é comum. "Nesses casos, a taxa de partos prematuros é de 30 a 40%", frisa Elson Almeida.
Projeto cuida de meninas gestantes na Barra do Ceará
A trajetória do Projeto Crescendo a Vida, desenvolvido pela Associação Maria Mãe da Vida, começou há cerca de 20 anos, quando a organização não-governamental, em visitas a regiões carentes de Fortaleza onde problemas como tráfico de drogas, violência, prostituição imperavam (e ainda imperam), constatou que a adolescência fortalezense estava ameaçada. Neste cenário, a gravidez precoce se tornava cada vez mais comum e, pior, cercada de grandes riscos.
Desde então, sob o comando do padre e ginecologista Adolfo Serripierro, a iniciativa passou a receber e prestar atendimento a adolescentes e jovens grávidas em situações de vulnerabilidade social. Hoje, aproximadamente 1.500 meninas participam do Projeto, que oferece além de cursos e oficinas profissionalizantes, exames de pré-natal e acompanhamento psicológicos, pediátricos e odontológicos.
As consultas acontecem semanalmente e são ofertadas de forma gratuita. "As mulheres que chegam aos hospitais ainda têm muita sorte porque conseguem o atendimento, mas existem muitas que ficam marginalizadas e não têm acesso a serviços de saúde. Por isso resolvemos criar o projeto para ajudar aquelas que manifestam desejo por uma mudança de vida", relata padre Adolfo.
A associação abriga, ainda, um espaço destinado às adolescentes vítimas de maus tratos e negligência familiar, que dá acolhimento e cuidados médicos por períodos de seis meses a um ano. Em paralelo, aprendem novas habilidades em capacitações como cursos de cabeleireiro, informática e costura.
Carências
Além da unidade na Barra do Ceará, a associação possui outras sedes no bairro Moura Brasil e nos municípios de Quixadá e Juazeiro do Norte. Segundo padre Adolfo, a expansão está nos planos da equipe de coordenação, mas esbarra em uma deficiência: a falta de profissionais voluntários para auxiliar nas ações. "Fazemos trabalhos nas praças e nas unidades, mas temos poucos médicos, psicólogos e pediatras", afirma.
VANESSA MADEIRAREPÓRTER
FONTE:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1302940
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