POR PARÓQUIA DE ARACOIABA -
Manhã de quinta feira, 01 de setembro de 2016. O dia mal começou e a notícia já se espalha na cidade de Aracoiaba: polícia, tratores, caminhões de mudança. Uma ação de reintegração de posse na comunidade Alto da Paz traz um espetáculo grotesco que causa revolta, medo e lágrimas nas famílias pobres que recebem ordem de retirar seus pertences e sair imediatamente das pequenas casas da taipa.
Cheguei ao local perto das 8 horas da manhã. Na entrada da comunidade alguém me apresentou ao Promotor de Justiça. Perguntei se estava tudo em paz e tive que escutar o mesmo discurso preconceituoso que torna culpados os pobres sem-teto e justifica a ação violenta do poder civil. Colhi algumas informações com as pessoas ali presentes e segui para entrar no terreno ocupado. Mais adiante o oficial de justiça com outra equipe de policiais guardava o acesso e controlava a entrada das pessoas. Identifiquei-me como padre e perguntei se eu podia entrar para falar com os moradores. Responderam-me que eu não podia fazer nenhum tipo debaderna. Um dos policiais interrogou-me sobre o motivo da minha entrada. Respondi que queria acompanhar os moradores. Disse ele em tom agressivo e cheio de arrogância: "Devia ter acompanhado antes.... a Igreja tem que tá é de joelhos, rezando..." Tive vontade de responder que não era ele quem determinava o que a Igreja devia fazer. Mas calei-me ou poderia ser impedido de entrar. O policial continuou no mesmo tom agressivo:"Não é pra fazer nenhuma reunião. Se tiver cinco pessoas reunidas eu vou pedir pro senhor sair. O senhor tem cinco minutos pra ir lá. E sem fazer nenhuma baderna..." E ameaçou: "Quando a gente vem pra cá, deixa o coração em casa..."
Senti-me na época da ditadura militar. Mas o que esperar de uma tropa de choque armada até os dentes, acostumada a pisar no pescoço de manifestantes e a impor-se pela brutalidade? Aqui cabem as palavras de Jesus ao ser crucificado: "Pai perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem (Lc 23,34). A tropa de choque é apenas a manifestação militar da perversidade do poder civil que pesa sempre sobre os mais fracos.
Entrei e é claro que não obedeci às ordens absurdas da polícia. Lá dentro o desânimo, a revolta, o choro de quem é expulso de casa. Senhoras, jovens, idosos e crianças tentam salvar o que podem. As máquinas começam a demolir as casas sob o olhar desolado dos moradores. Um senhor tenta se aproximar da máquina que destrói sua casa no intuito pedir pra retirar um último objeto, um carrinho de mão que ficou pra trás. O policial da tropa de choque responde aos gritos:"Sai daí, porra... sai daí caralho..." É assim o tratamento dado ao pobre. Uma família inteira olha para o vazio, desolada, atordoada diante do local onde minutos antes estava o lar que a abrigava. Na saída uma senhora se dirige a mim dizendo: "não tem ninguém por nós, padre... só Deus tá com a gente. Antes de sair lembrei da profecia de Miquéias que vamos refletir nos Círculos Bíblicos da paróquia durante este mês. Diz o profeta: "Ai daqueles que antes de se levantarem de manhã já fazem planos para explorar e maltratar os outros! E logo que se levantam fazem o que querem, pois são poderosos! Quando querem terrenos ou casas, eles tomam" (Mq 2,1-2). Lembrei também de uma paroquiana que me disse: "Já comecei a ler o livro de Miquéias, padre. Tem tudo a ver com a nossa realidade".
Pe. Evando Alves de Andrade
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