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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Brasília sem favoritos

FESTIVAL

Brasília sem favoritos

24.09.2013
Ainda sem um grande filme cotado para os principais Candangos, o 46º Festival termina hoje cheio de problemas

O 46° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro chega ao fim nesta terça-feira sem ter definido um favorito aos principais Candangos. Como tenho analisado, a maioria das produções, sejam animações, curtas ou longas em competição, nas categorias de ficção, têm sido decepcionantes. Há muitas ideias boas, mas mal adaptadas para a tela. Em minha visão, a exceção é o cearense "Os Pobres Diabos", de Rosemberg Cariry, mas meu voto não vale perante o júri.

O documentário "Hereros Angola" foi um dos destaques da programação

Deixando de lado os curtas-metragens e focando apenas nos longas de documentário e ficção, melhorou a qualidade dos filmes exibidos entre sexta, 21, e domingo, 23, nas duas categorias. Como escrevi este texto no início da manhã de ontem, segunda, obviamente não assisti à programação de encerramento, na qual foram exibidos o documentário "A Arte do Conhecimento - uma Cinebiografia de Sylvio Tendler" (RJ), de Noílton Nunes, e a ficção "Exilados do Vulcão" (RJ), de Paula Gaitan.

Entre os documentários de longa-metragem apareceu um competidor para o já comentado "O Mestre e o Divino" (PE), de Tiago Campos. Trata-se de "Hereros Angola" (BA), do também pernambucano, mas radicado na Bahia, Sérgio Guerra, que fez um extraordinário trabalho de antropologia dos povos Hereros, um grupo étnico que habita as terras ao sudoeste do território africano de Angola. Provenientes dos povos bantos, os Hereros mantém uma rígida tradição ancestral milenar passada de geração a geração.

O documentário revela esse povo que, de seu lugar de origem, com a imigração dos jovens, se desdobrou, no passado, em vários outras tribos ao longo de determinado período, o que gerou uma cadeia de aldeias as quais criaram as suas próprias crenças, tradições e histórias, cada uma com as suas características peculiares. A manutenção de suas tradições é a grande preocupação, pois as transformações sociais as estão alcançando, mesmo no distante interior do País. As ameaçadas vêm, entre outras, através da bebida alcoólica, que se mostra devastadora entre eles, e instrumentos modernos, como motos e aparelhos eletrônicos, os quais já chegaram por lá. Os povos Hereros sobrevivem através de suas tradições e da força de seus homens e mulheres.

Há um grupo deles que, no verão, leva o gado para as pastagens ativas em uma jornada que leva quase todo o ano pelas montanhas da região, mas que sempre retorna ao lar quando a chuva se anuncia. A visita dos filhos aos túmulos dos pais é uma obrigação anual que mantém os vínculos familiares com a ancestralidade.

As meninas em idade de transição para a adolescência, são preparadas para a iniciação sexual, sempre com os primos, e depois entregues aos futuros maridos, os quais, escolhidos pelos pais, elas recebem, queiram ou não. Daí, também, a prática da infidelidade ser aberta e aceita pelos homens - o ciúme, segundo um deles, ficou na ancestralidade. Um belo filme, sério candidato a receber o Candango de sua categoria.

As grandes expectativas que se formaram em torno de "Morro dos Prazeres", de Maria Augusta Ramos, e "Plano B", de Getsemana Silva, se desfizeram após as suas exibições. O primeiro faz o registro da instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora, UPP, no morro que leva o nome do filme, é o fechamento de uma trilogia da cineasta, composta por "Juízo" e "Justiça". Filmado durante quatro meses um ano após a fixação da UPP, "Morro dos Prazeres" vai revelando os sérios problemas de relacionamento entre a polícia e a população do lugar. Há o clima de tensão constante, uma animosidade explícita e a ausência de confiança por parte dos moradores, pois além de combater os redutos de tráfico a polícia procura fazer um trabalho de socialização - como por exemplo, no controle do tempo de duração dos bailes funk, atender os casos necessidade médica e mediar conflitos -, tem ainda de lidar com os seus elementos corruptos da corporação, os quais dificultam ainda mais a execução de numa aproximação com os moradores, cujos líderes reclamam da falta de um prévio estudo, avaliação e conhecimento da cultura, problemas e necessidades do morro e seus habitantes.

A importância de "Morro dos Prazeres" situa-se em expor a importância das policiais femininas no processo de comunicação com os moradores e em revelar a realidade quanto ao relacionamento da polícia com os líderes comunitários e a desconfiança da população, que a tinha como inimiga.

O filme pode ser instrumento de análise para a sociedade e os governantes ao expor as falhas e as virtudes do projeto de instalação das UPPs. Um documento muito bem vindo.

Decepcionante mesmo é "Plano B", de Getsemana Silva, que tem um mote de investigação importantíssimo, que é a busca pela cópia do documentário "Brasília - Contradições de uma Cidade Nova", rodado em 1967 pelo cineasta Joaquim Pedro de Andrade (o realizador de "Macunaíma").

O filme, encomendado por Ricardo Faccioli, executivo da multinacional estadunidense Olivetti, que via sérios problemas estruturais com o entorno do Distrito Federal, ao longo do qual os excluídos já começavam a construir favelas, foi simplesmente recolhido pela empresa e dado como desaparecido.

O trabalho de Getsemana mantém interesse enquanto são expostos os aspectos que levaram ao recolhimento da cópia e posterior proibição do filme. O motivo central era que revelava a falta de planejamento para o entorno da cidade, no qual, obviamente, os trabalhadores e pessoas vindas de outras regiões do País viriam se estabelecer em busca de trabalho e melhor condição de vida. Ao trocar esse enfoque da séria questão social que promove um desacreditar da perfeição do processo de criação de Brasília por parte de Oscar Nyemeier e Lúcio Costa, pela inserção do trabalho de pesquisa levado a efeito pelo cineasta e a sua equipe para a realização do proprio filme, "Plano B" não mantém o mesmo vigor e interesse.

A busca pelos trabalhadores que deram entrevistas para a obra de Joaquim Pedro é até interessante, mas nem mesmo o depoimento de ex-funcionários da Olivetti conseguem sustentar a narrativa. "Plano B" se torna apenas um filme curioso, mesmo porque "Brasília - Contradições de uma Cidade Nova" está disponível em DVD.

Ficção

"Avante Popolo" (SP), do uruguaio-israelense radicado em São Paulo Michael Wahrmann, é a grande decepção deste Festival brasiliense. Claro, a obra tem defensores porque traz o cultuado e saudoso cineasta Carlos Reichenbach em seu canto de cine na tela, agora como ator, interpretando um amargurado comunista que perdeu um filho durante a época da ditadura militar e o mais velho retorna e se instala em sua casa, quebrando o seu modo de vida.

O problema da obra de Wahrmann é que é toda paradona, com a câmera obrigatoriamente fixa sempre em determinado lugar da casa ou da rua, e os personagens transitam por ela. Um tipo de cinema que já ficou no passado, lá na época do cinema mudo, o qual por sua vez, fez questão de evoluir. Se há uma qualidade no enredo, esta reside em expor a incomunicabilidade entre gerações, entre pai e filho. Há, inda, o caso de um comunista que dubla e altera filmes de Hollywood para glorificar a ideologia, ação contestada pelo jovem recém chegado. Em compensação, há, ainda, um caráter de saudosismo do velho comunismo com hinos quase inteiros em som estridente. Nada contra, cada um faz o filme que quer e como quer, mas no caso de "Avante Popolo" (cuja tradução é "Avante Povo"), assisti-lo é um exercício de gloriosa paciência. Nada menos que insuportável.

Bem mais agradável é "Amor, Plástico e Barulho" (PE), da estreante Renata Pinheiro, que conta a história de duas garotas da periferia de Recife, Shelly e Jacqueline, respectivamente, dançarina e cantora de uma banda de forró. Com muito forró e uma história sobre a busca da sobrevivência em um efêmero sucesso musical-popular, o filme peca, no entanto, na consistência da dramaticidade e em não definir o desfecho, se feliz ou trágico.

Pinheiro fez um filme interessante, com os seus bons e cativantes momentos, mas também permeado com instantes que dramaticamente quebram a narrativa e dão a sensação de faltar algo na ligação de uma sequência com a outra. Ainda assim, apesar da irregularidade, uma obra apreciável.

Exibido no final da programação do último domingo, 22, "Riocorrente" (SP), de Paulo Sacramento, se mostrou um espetáculo igualmente curioso e com uma boa história sobre uma jovem mulher, Renata (Simone Iliescu), que trafega entre dois homens, o jornalista Marcelo e o ladrão de automóveis Carlos. Há uma sugestão dela ser ninfomaníaca. O filme trata da inconformidade, no caso da garota, da passividade, no caso do jornalista, e da angústia da marginalidade, por parte Carlos.

Nesta terça, o júri oficial, entrega os Candangos aos vencedores. Tenho a convicção de que, mesmo prejudicado pelo desastre que está sendo a exibição dos filmes digitais e o prejuízo que se abateu em "Os Pobres Diabos" (prejuízo o qual Rosemberg Cariry, nordestinamente, se recusa a acatar como tal), o filme obtenha pelo menos uma importante premiação.

Salvo alguma surpresa a ser reservada por "Exilados do Vulcão", as principais premiações ficam em disputa entre as criações de Cariry, Pinheiro e Sacramento. A minha cearensidade me torna um fervoroso torcedor de "Os Pobres Diabos". Porém, para Cariry, em sua modéstia, só em estar em exibição em Brasília já vale por um Candango antecipado.

O crítico de cinema viajou a convite da organização do festival

PEDRO MARTINS FREIREENVIADO A BRASÍLIA* 

FONTE:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1321007

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