'É uma doença solitária
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Covid-19, além da elevada transmissibilidade, é uma doença coletiva e de solidão.
Jean Gorinchteyn, infectologista no Hospital Israelita Albert Einstein e no Instituto de Infectologia Emilio Ribas, diz que o novo coronavírus afasta a humanidade que médicos costumam ou querem direcionar para os seus pacientes e impede gestos básicos de preocupação, como ir dar um abraço na família que vai receber uma notícia ruim.
Ao mesmo tempo, a sensação de estar só também está presente do lado dos pacientes, que enfrentam o isolamento em casa ou nos hospitais, para os casos mais graves.
"Quando você está doente é um período extremamente frágil da tua vida. Você quer ser abraçado, beijado. Os doentes nem sequer podem receber a visita de parentes", diz Gorinchteyn. "Quando vemos uma situação dessas, é uma catástrofe. Isso é uma tragédia muito grande."
Gorinchteyn diz que, com a Covid-19, assim como em doenças como HIV, dengue e zika, a conscientização individual não é suficiente para o combate à doença. Não adianta uma pessoa se cuidar se outras não tiverem uma higiene respiratória correta (como tossir na dobra do braço), não limparem as mãos constantemente com água e sabão ou álcool em gel e não se isolarem quando estão doentes.
"Você pode estar olhando o seu vasinho de plantas e evitando o acúmulo de água, mas o terreno do lado está abandonado e ali foi o logradouro para depósito dos ovinhos do aedes. É a conscientização, mas nem sempre isso está relacionado com os seus cuidados, mas sim com os cuidados das pessoas que estão no seu entorno."
O especialista também afirma que é preciso cuidado com a hidroxicloroquina, que ainda não tem dados concretos que apontem benefícios de uso ou mesmo o risco de uso em pacientes com a Covid-19. Por isso, diz o infectologista, o uso em casos leves não faria sentido no momento.
Uma preocupação de Gorinchteyn é com o desgaste que o isolamento -e conflitos de narrativa envolvendo o tema- pode provocar na população, que, cansada, pode desrespeitar as regras de distanciamento, o que levará a um impacto direto no número de casos e mortes.
Segundo o infectologista, o Brasil felizmente tem um sistema de saúde único como o SUS, que, mesmo sempre muito criticado, é "uma grande mãe que acolhe as pessoas nas horas de turbulência". O sistema, ele diz, possibilita a construção de planos estratégicos para deslocamento de pacientes de unidades que estão no limite para outras regiões menos afetadas, troca que inclusive pode ocorrer entre hospitais públicos e privados.
Após se formar em 1997 na Universidade de Mogi das Cruzes, Jean Gorinchteyn, 51, fez residência em clínica médica e mestrado, ligado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em doenças infecciosas. Atualmente, faz parte da primeira unidade de internação do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, no qual foi, por seis anos, responsável pelo Ambulatório de Aids em Idosos.
PERGUNTA - É possível comparar a pandemia do novo coronavírus com a epidemia de HIV ou com as situações com arboviroses, como dengue, por exemplo?
JEAN GORINCHTEYN - Na Aids, no começo, não sabíamos como era a contaminação, então entrávamos com luvas, máscaras, aventais. Mas não víamos a equipe médica adoecendo. No coronavírus perdemos amigos, médicos, enfermeiros. Imagine o medo, você tem sua família, seus filhos, sua esposa. Vemos médicos que não voltam pra casa. Isso é uma grande tragédia. O medo delas se contaminarem e levarem a doença para quem mais amam e ao mesmo tempo ter que estar no front atendendo. E muitas vezes com falta de EPIs [equipamento de proteção individual]. É uma doença na qual vemos a população adoecendo e quem está dando assistência também.
Ao mesmo tempo vemos a solitude daqueles que estão doentes. Quando você está doente é um período extremamente frágil da vida, em que você quer ser abraçado, beijado. Eles nem sequer podem receber a visita de parentes. É uma catástrofe. E, quando as notícias são ruins, a própria equipe médica não pode abraçar essa família. É uma doença muito só, tanto para quem atende, quanto para quem adoece, quanto para a família.O cuidado humano fica de lado.
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