Lembra do caderno de caligrafia? Que sufoco era aquilo. Os dedinhos doíam. Fazia até calo. Dedo engrossava. Mas a letrinha de mão tinha que ficar bonita a qualquer custo. E ficava. Ou não.
Hoje eles ainda estão por aí. Os tais caderninhos horizontais. Nem precisa comprar. Aqui na web mesmo você encontra: para imprimir, para download, em pdf, para crianças, para adultos e... para comprar, é claro. Para todos os gostos e dedos.
Mas um passarinho sabido me contou que isso vai durar pouco. Extinção à vista... do caderno e da letra de mão!
Verdade. Há um movimento crescente para se acabar com a letra de mão. Aquela, a cursiva: letrinhas arredondadas, da mesma altura, grudadas umas às outras pelas pontinhas. Lembra? Ou você só digita, e sua letra já virou um garrancho? A minha virou. Preciso me esforçar muito pra escrever redondinho.
Desde 2011, em Indiana, ensinar letra cursiva é opção de cada escola. Nesse estado americano - e em mais 44 - a ideia é mesmo abandonar de vez a letra de mão no decorrer dos próximos anos.
Mas a letra bastão continua firme.
Sabe qual é? A letra de forma. A nossa conhecida caixa alta. A letra de imprensa maiúscula. A que leva menos tempo pra gente aprender a desenhar. Que dá menos calo no dedo médio. Que a gente insistia em usar e a professora não deixava. E... a mesma que ilustra os teclados dos computadores e dos celulares.
E sabe que motivos são alegados pelos defensores do fim do ensino da letra de mão? Não, não é para acabar com os calinhos dos dedinhos das mãozinhas das pobres criancinhas. Os motivos são outros. De ordem prática, digamos. Vamos lá a alguns:
- a alfabetização se dá com a letra bastão. Só depois de alfabetizada é que a criança poderia - note que não escrevi deveria - se dedicar a juntar as letrinhas;
- livros, jornais, revistas, gibis, placas, publicidade usam letra bastão. E a criança já está exposta a ela muito antes de estar exposta à letra cursiva;
- hoje, as pessoas usam teclados mais que escrevem em papel. Com lápis ou caneta. Então seria mais inteligente priorizar a prática da digitação;
- há também uma razão de tempo: o tempo gasto para o aprendizado da técnica da cursiva é bastante grande. Seria mais interessante gastar esse tempo da escola para ensinar crianças a digitarem desde pequenas;
- desde o berço, as criancinhas já deslizam seus dedinhos pelas telas multi-touch, touch screen, sensíveis ao toque. E essas tecnologias prometem eliminar o uso do teclado e do mouse. Quanto mais do lápis e da caneta.
Ou seja, sejamos realistas: letra de mão está com os dias contados. 10 x 0 para os teclados.
Baixou a nostalgia? Ficou triste com a notícia da morte iminente da letra de mão?
Calma... veja as palavras digitadas do Eco, o Umberto, o escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo. Elas sinalizam um alento.
As pessoas não viajam mais a cavalo, mas algumas vão a escolas de montaria; existem iates a motor, mas muitas pessoas são devotadas à vela assim como os fenícios eram há 3 mil anos; há túneis e estradas de ferro, mas muitos ainda gostam de andar ou escalar os caminhos nos Alpes; as pessoas colecionam selos até mesmo na era do e-mail; e os exércitos vão para a guerra com Kalashnikovs*, mas também fazemos torneios pacíficos de esgrima.
Seria bom se os pais enviassem seus filhos a escolas de caligrafia para que eles pudessem participar de competições e campeonatos - não só para se consolidarem naquilo que é belo mas também pelo bem-estar psicomotor. Essas escolas já existem; basta procurar por "escola de caligrafia" na internet. E talvez para aqueles que têm uma mão firme e não têm um emprego firme, ensinar esta arte pode se tornar um bom negócio.
Se não ficou convencido, leia a íntegra do texto sobre A arte perdida da escrita à mão, do Umberto Eco.
Vamos conversar sobre?
*Kalashnikovs = AK-47 = Arma Automática de Kalashnikov modelo de 1947
FONTE: http://www.brasilpost.com.br/sonia-bertocchi/voce-ainda-escreve-com-letra-de-mao_b_4980149.html#es_share_ended
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