QUESTÃO CULTURAL
Sociedade é aliada contra corrupção
07.12.2014
O combate ao problema deve passar por mudanças no comportamento do brasileiro
As reiteradas denúncias de corrupção contribuem para reforçar a descrença da sociedade com a política, enquanto diversas instituições tentam avançar em discussões para garantir o efetivo combate ao problema. Apesar de progressos alcançados na legislação e da maior pressão popular para a abordagem do tema, a percepção de especialistas é que o Brasil ainda sofre com diferentes obstáculos que impedem o País de se distanciar da cultura corrupta.
Na última semana, o Brasil conseguiu subir três posições no Índice de Percepção da Corrupção, ranking divulgado pela organização Transparência Internacional, passando da 72ª colocação para o 69º lugar de um total de 175 nações. O índice brasileiro passou de 42 para 43, em uma escala que vai de 0 a 100 – em que 0 significa muito corrupto e 100 livre de corrupção.
O problema, segundo o estudo, é que Brasil ainda fica atrás de países sul-americanos como o Chile e o Uruguai. De acordo com o relatório, o País deveria fazer uso positivo de sua influência como líder geopolítico, mas mostra sinais de estagnação e até de atraso ao permitir o abuso de poder e o desvio de recursos em benefício de poucos.
Questão cultural
O cientista político Francisco Moreira, da Universidade de Fortaleza (Unifor), acredita que o Brasil tem protagonizado um momento importante de preocupação com o combate à corrupção, mas ressaltou que esta se torna uma tarefa difícil na medida em que o problema está incrustado na cultura da sociedade brasileira, desde as relações mais simples do dia a dia até as mais complexas. “Enquanto você tem uma sociedade corrupta, o combate é muito mais difícil”, avalia.
Moreira defende que a sociedade precisa entender que a corrução deve ser combatida em todos os níveis, tanto no espaço público quanto na esfera privada. “Falta a sociedade começar a entender e agir contra a corrupção. A corrupção está muito ligada à falta de respeito ao direito do outro. Há avanços nesse sentido, mas todos os dias você vê pessoas flagradas por práticas de corrupção. Isso é uma coisa que está arraigada”, lamenta.
Para o professor, é necessário se preocupar com a formação cívica ainda nas escolas para combater a cultura da corrupção no País. “Esse combate da forma como está acontecendo pode até trazer resultados, mas eles só serão reais quando fizermos mudanças a partir da educação. Hoje, a grande maioria das escolas estão preocupadas muito mais com a formação dos alunos para o mercado do que com a formação cidadã”, destacou.
Na visão do cientista político, a frágil formação cívica do brasileiro contribui para outro problema de corrupção comum no sistema eleitoral do País, a compra de votos. “Esse é um ato grave, porque quem vende está ajudando uma série de indivíduos que jamais farão as mudanças necessárias”, acrescenta.
O sociólogo Antônio Flávio Testa, da Universidade de Brasília (UnB), lembra que o problema da corrupção na cultura do brasileiro tem raízes ainda no nosso processo de formação política. Segundo o professor, desde a época da colonização é cultivada uma lógica de que o País deve ser explorado como mercado.
Outro problema apontado pelo professor da UnB é que o brasileiro não enxerga problemas com a corrupção se os resultados são mostrados. “É aquela lógica do rouba, mas faz. A maioria da sociedade aceita isso. Há um desinteresse imenso. As pessoas não entendem o que é ser cidadão. É preciso que o tema seja colocado como foco”, analisa.
Na opinião do sociólogo, houve muitos avanços no combate à corrupção, ampliando-se medidas legais para a luta contra o problema, mas, para ele, a burocracia e a politização do Judiciário também dificultam a punição dos que praticam atos corruptos. “Depois do mensalão, vimos que foi possível mudar muita coisa. Existem muitas medidas legais para se combater a corrupção. Tem político condenado há 38 anos por corrupção que está solto porque está esperando julgamento de recurso”, cita.
Legislação falha
Já o juiz eleitoral Marlon Reis, um dos idealizadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), responsabilizou as falhas na legislação pelas dificuldades na luta contra o problema. Para o magistrado, a limitação das leis se deve à preocupação dela em enfrentar as consequências e não as causas.
“O problema é que temos leis ruins, feitas por pessoas que estariam no banco dos réus se essas leis fossem melhores. A questão é que a maioria das leis ainda são elaboradas com o objetivo principal de enfrentar as consequências da corrupção, mas é preciso enfrentar a causa. E eu acho que a causa está na mercantilização do espaço político”, explica o juiz eleitoral.
Reis justifica a fragilidade na legislação ao citar a lei da improbidade administrativa como exemplo. “A lei da improbidade administrativa, por exemplo, poderia ser muito mais dinâmica, acabando com o princípio da presunção de inocência”, ressaltou.
Para Marlon Reis, uma questão fundamental no combate à corrupção é garantir que a reforma política assegure o fim do financiamento privado de campanha e afirmou que, apesar de o problema fazer parte da cultura brasileira, acredita que a população tem começado a despertar com os escândalos de desvio dos recursos públicos.
“É preciso limitar as doações de campanha e aumentar o controle. O número de pessoas que percebe essa causa está aumentando e esses escândalos de corrupção têm ajudado as pessoas a despertarem. Estamos coletando assinaturas para a reforma política por iniciativa popular. Já são 600 mil assinaturas”, frisa Reis.
Para o coordenador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção no Congresso, Francisco Praciano, as medidas contra o problema também devem ir além do aperfeiçoamento da legislação. “Outros eixos precisam ser corrigidos, porque a corrupção existe por saber se aproveitar de todos os vazios que o Estado permite para a manutenção da prática”, relata.
O parlamentar defende que, além de alterar leis, é preciso concentrar esforços em mais dois eixos. “O primeiro é assegurar o fortalecimento das instituições de controle desse País e outro é garantir maior agilidade à Justiça Brasileira. Uma denúncia de improbidade administrativa costuma passar seis anos na Justiça estadual e mais cinco anos na Justiça Federal”.
Apesar dos obstáculos apontados, a classe política parece sentir que é preciso dar respostas imediatas à sociedade. O medo de que a população cada vez mais associe o nome do partido aos casos de corrupção fez, por exemplo, com que o PT, durante o encontro nacional realizado em Fortaleza no fim de novembro, definisse o tema do combate à corrupção como a principal preocupação da legenda.
O desejo de manifestar à opinião pública uma demonstração de ação efetiva na luta contra o problema motivou a agremiação a assegurar em resolução que qualquer filiado que tiver, de forma comprovada, envolvimento com a corrupção, deve ser expulso. Em discurso durante recente encontro nacional realizado em Fortaleza, até mesmo a presidente Dilma Rousseff (PT) concentrou parte de seu pronunciamento à preocupação com o combate à corrupção.
“Nós criamos as condições institucionais para que o combate à corrupção seja efetivo... Nós jamais instrumentalizamos a Polícia Federal. Nem transformamos o procurador geral da República em engavetador geral da República”. “Acredito também que nós temos um compromisso com esse País, que é a reforma política”, declarou a presidente.
Propostas não avançam no Congresso
A Frente Parlamentar de Combate à Corrupção no Congresso Nacional foi criada ainda em 2008 como uma forma de dar uma resposta à sociedade de que o Legislativo estava preocupado com a luta contra a corrupção. O grupo, no entanto, não consegue já há algum tempo realizar reuniões periódicas por falta de quórum, segundo o próprio coordenador e deputado federal Francisco Praciano (PT-AM). “Não vou mentir. Há dois anos que o funcionamento dessa comissão mostra que ela é praticamente fictícia”, revelou.
O coordenador da Frente afirmou que, em 2007, aproximadamente 70 projetos sobre combate à corrupção tramitavam na Câmara e no Senado. Depois de um período, Praciano pontuou que o número saltou para 120 e, atualmente, cerca de mais de 500 proposições sobre o tema tramitam em ambas as Casas.
Na avaliação de Praciano, o elevado número de proposições pode até motivar uma compreensão de que o Legislativo tem interesse no combate à corrupção, mas ele alertou que este balanço demonstra muito mais a dificuldade de se levar à pauta de votação projetos com este teor.
“Desses, tem 40 proposições prontas para serem levadas à pauta, mas não vão. Não é da natureza da Casa colocar esse tipo de proposição em tramitação na Casa. Acho que a sociedade está exigindo mais ações de combate à corrupção, mas não tem resposta do Congresso Nacional”, disse
“Levantamentos apontam que, a cada cinco parlamentares, um responde a processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Então, esse perfil da Casa faz com que a gente pense que não temos um perfil interessado em combater a corrupção”, pontuou o coordenador da Frente.
Entre as propostas que tramitam no Congresso Nacional, a maioria tenta endurecer as penas contra condenados em casos de corrupção. Uma das propostas mais recentes apresentadas à Câmara Federal foi o projeto de Lei do deputado Ricardo Izar (PSD-SP) que prevê o enquadramento dos crimes de corrupção ativa e passiva dentre os crimes de lesa-pátria.
“Chegou a hora de tratarmos tal prática nefasta com maior rigor, equiparando-a ao crime de lesa-pátria, de forma análoga ao terrorismo, tratando-a na mesma lei – 7.170/1983; eis que seu potencial lesivo atinge não só os cofres públicos, mas principalmente direitos e garantias fundamentais dos cidadãos”, justificou o parlamentar no texto do projeto.
A proposta, no entanto, já foi apensada ao projeto de Lei do senador Pedro Taques (PDT-MT), apresentado ainda em 2013, que prevê os delitos de peculato, corrupção ativa e passiva como crime hediondo. Esta proposição foi aprovada no Senado, mas aguarda a apreciação na Câmara. Em abril, ela chegou até a entrar na pauta de votação, porém, foi retirada.
Outra proposta que foi apresentada neste ano sobre o tema é do deputado André de Paula (PSD-PE) e propõe um reforma no Código Penal para garantir maior efetividade no combate à corrupção. Entre as proposições, está a criação de causas de aumento de pena de todos os crimes contra Administração Pública, elevando-as em graus diferenciados conforme a relevância da função pública.
Na relação de propostas da Câmara dos Deputados sobre o combate à corrupção, algumas ainda são da década de 1990, mas muitas tratam, quando não arquivadas, de objetivos semelhantes às que já foram apresentadas recentemente.
Alan Barros
Repórter
FONTE: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/nacional/sociedade-e-aliada-contra-corrupcao-1.1167602
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