MARIA DAS GRAÇAS ALMEIDA DE QUENTAL*
Projetos oferecem chances para quem saiu da prisão
15.04.2013
* JUÍZA TITULAR DA VARA DE PENAS ALTERNATIVAS E REPRESENTANTE DO CNJ
No comando da Vara das Penas Alternativas e como representante do CNJ no Estado do Ceará, a magistrada faz uma reflexão sobre o preconceito que a sociedade ainda tem em relação aos egressos do Sistema Penal. Seu trabalho na Justiça é voltado para romper essa barreira.
Como a Justiça vem contribuindo para a reinserção social daqueles que saem da cadeia?
Essa é uma preocupação mundial, não é só do Brasil ou do Ceará. Foi detectada, recentemente, pela Organização das Nações Unidas (ONU), na última visita que a entidade fez ao Ceará, no mês de março, que os direitos humanos são totalmente desrespeitados. Na última visita que fiz a presídios foram várias denúncias de falta de limpeza nas alas, onde os presos ficam, reclamação de higiene e ventilação. A ONU ficou impressionada com o número de presos no Brasil e isso é uma regra geral, não é só Ceará. No País, a situação prisional está seriíssima. O cárcere deveria ser a última medida judicial, mas está sendo o contrário. É a primeira imposta. É por isso que a Vara de Penas Alternativas busca ressocializar, e é uma alternativa à prisão. Recebemos todos os condenados das varas criminais, que sejam apenados com até quatro anos de reclusão e os réus condenados pelos Juizados Especiais.
A juíza de Direito Maria das Graças Almeida de Quental tem levado à frente esforços para conscientizar a sociedade a ofertar trabalho para aqueles que um dia tiveram o infortúnio de ir parar na cadeia. É a busca pela reinserção social FOTO: KIKO SILVA
Quais são as dificuldades desses processos?
Um dos grandes desafios é encontrar um curso profissionalizante para os egressos de pouca escolarização. A maioria que procura emprego aqui (Vara de Penas Alternativas) está entre o primeiro e quarto ano do Ensino Fundamental. A vara dispõe de um grupo de Justiça terapêutica. Aqueles que chegam e são identificados como usuários de drogas ou de álcool, são colocados em um grupo de atendimento. São entidades conveniadas, como escolas e hospitais. O jovem vai para determinada instituição e escolhe um trabalho que seja adequado ao seu grau de instrução ou perfil. Nós devemos deixar a prisão para as pessoas altamente perigosas. Para os réus primários e pessoas com bons antecedentes, o juiz deve analisar, e, dentro desse perfil, proferir penas alternativas.
Como a iniciativa privada (empresários) tem contribuído para ressocializar o egresso?
Há empresas parceiras, que preferem ter os nomes não divulgados, que entram em contato com a Vara e oferecem vagas de emprego. Nós fazemos essa ligação. Normalmente, o perfil dos que buscam emprego são pedreiros, auxiliares de pedreiro e serviços gerais.
Por que até hoje a maioria dos presos fica em completa ociosidade nas cadeias?
O problema é a falta de políticas públicas. Um dos pedidos dos presos é a oportunidade de lazer, como jogo de futebol. Pode parecer não importante, mas como se trata de jovens que estão desocupados, o lazer é algo importante para eles. Existem políticas públicas, mas é insuficiente para a demanda. Quando cuidamos do preso, estamos cuidando da gente, da nossa segurança, da nossa família e da família deles. Tem que se pensar em deixar a prisão para o último recurso e a pena alternativa é a melhor medida. Aqui, o detento é sempre ouvido e levado para grupos de conscientização para ele entender por que errou e perceber que precisa mudar. No relatório da UNU é explicado que deixar o preso sem opção não vai surtir nenhum efeito.
Qual o nível de escolarização dos detentos cearenses?
Normalmente, eles passam pelas séries iniciais e abandonam os estudos na 4ª, 5ª ou 6ª séries, nunca completam. O ´Projeto Escolarização Paulo Freire´ incentiva a educação e oferece (aos egressos) aulas nos fins de semana, com almoço, lanche e vale-transporte. A gente mostra a importância do estudo para abrir as portas ao trabalho.
Como a sociedade pode vencer a barreira do preconceito e dar chances àqueles que um dia caíram no crime e querem resgatar sua cidadania?
Primeiro de tudo é quebrar o preconceito. Vou citar o versículo de Timóteo 1:7. "De fato Deus não nos deu um espírito de medo, mas um espírito de força, de amor e de sabedoria". É quebrar o preconceito e saber que nós somos os responsáveis por tudo que está acontecendo. Pela nossa omissão, indiferença e falta de solidariedade. Saber que o meu filho ou o seu filho pode um dia estar na situação deles (presos). Custou muito para sociedade ver que a droga e o álcool não está somente nas favelas. Ela está no meio da sociedade e daqueles de grande poder aquisitivo. No entanto, ao visitar os presídios, só me deparo com pessoas pobres, sem defesa e com seus direitos totalmente transgredidos. A ONU diz que são necessárias medidas efetivas nos padrões dos direitos humanos.
Quais os projetos que a Sra. vem coordenando na Justiça?
Na Vara das Penas Alternativas são três projetos. O de reinserção social dos presos, a Justiça Terapêutica, que possibilita a execução da pena através do atendimento especializado. A escolarização, que é um projeto em parceria com a Secretaria de Educação (Seduc) que funciona em um centro de educação de jovens e adultos nos fins de semana, com o objetivo de oferecer um espaço educativo informal. E fazem parte os presos que são condenados pelas varas criminais e juizados especiais. Também existem mais três projetos que funcionam com verbas do Ministério da Justiça e da Secretaria da Justiça, de reinserção social, centrais de apoio e acompanhamento de penas e medidas alternativas, e o Núcleo de Atendimento ao Homem Autor de Violência Contra a Mulher (NUAH), que trabalha com a prevenção da criminalidade. São palestras de profissionais, defensores públicos e promotores para a conscientização, e aqui a gente observa que, com o trabalho de reflexão, dificilmente ele (o agressor) volta a repetir o ato. Já observamos que, quando você escuta uma palestra, passa a ser um multiplicador do que aprendeu. Também trabalhamos com as centrais de apoio e acompanhamento de penas e medidas alternativas em Maracanaú e Caucaia. O objetivo das centrais é implementar, monitorar e avaliar ações de execuções das penas e medidas judiciais alternativas.
Qual o grau de reincidência? É verdade que a maioria volta para a cadeia?
Quando as pessoas são trabalhadas de modo reflexivo não voltam a cometer crimes. Mas quando é uma pessoa que é jogada na prisão, sem trabalho, sem respeito e sem direito a dizer nada, vai sair como um animal feroz. É preciso que se veja políticas públicas. Olhar para as crianças que estão nas ruas e acompanhar as famílias. Se informar se elas estão na escola ou na creche, se tem comida, se os pais têm salário digno, pois sem isso, a violência começa aí. É preciso entender a violência também contra pessoas que morrem todos os dias em hospitais e nas filas dos postos de saúde. Aqui (Justiça) é a ponta do iceberg, a violência está mais embaixo.
Qual o papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) neste cenário de ressocialização dos egressos?
No Brasil, foi lançado o programa ´Começar de Novo´, no sentido de reinserção social, que é tirar o homem da prisão e colocá-lo para trabalhar. Educação e trabalho são a solução. A sociedade, principalmente os empresários, deve dar uma oportunidade aos egressos. É preciso que se olhe com o olhar do coração, pois atrás de cada um deles existe uma família envolvida. Há uma necessidade de nós, como sociedade, oferecermos a oportunidade para um recomeço. O programa ´Começar de Novo´ realiza ações por meio de um grupo de monitoramento e fiscalização do Sistema Carcerário do Estado do Ceará, que prevê a reinserção social da população assistida, proporcionando trabalho, capacitação profissional e garantia de direitos.
Quais são as penas alternativas mais aplicadas na Vara?
As penas restritivas de direitos, que substituem a de prisão, são aplicadas pelo juiz nos crimes de menor potencial ofensivo (com pena prevista até dois anos de prisão). Tudo isso é feito com base no grau de culpabilidade, nos antecedentes na conduta social e na personalidade do réu. As mais comuns são a prestação de serviços, limitação temporária de direitos, perda de bens e valores, limitações nos fins de semana. Existe, ainda, a interdição temporária, que são proibições do exercício de cargo e função, como por exemplo, um motorista, deixar de dirigir; se for um político, a limitação do mandado eletivo. Há também a participação de cursos, palestras e atividades educativas. Já a prestação de serviços é feita nas escolas e hospitais.
Qual o objetivo da adoção de medidas alternativas?
Elas foram criadas devido à grande lotação das delegacias e casas de privação provisória de liberdade, com pessoas que ainda não foram julgadas. Já aconteceu de um cidadão que ficou durante três anos preso aguardando julgamento. A condenação do homem foi de apenas um ano e alguns meses, mas há havia se passado três anos. O objetivo é evitar situações como esta, em que a pessoa passa anos presa esperando julgamento sem saber se vai ser condenado. Eis a importância das medidas alternativas.
Fernando Ribeiro/Jéssika SisnandoEditor de Polícia/Estagiária
FONTE: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1254945
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