Utilizando a metodologia do Instituto Guttmacher – que acaba de publicar pesquisa sobre o número de complicações após abortos nos países em desenvolvimento – a pesquisa, publicada na revista Reprodução e Climatério, da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, foi feita por cientistas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), do Hospital Pérola Byington, em São Paulo e da Ong Ações Afirmativas em Direitos e Saúde (AADS).
De acordo com um dos autores, Mario Francisco Giani Monteiro, professor aposentado do Instituto de Medicina Social da Uerj, o estudo apontou também que as internações de mulheres por complicações do aborto diminuíram 27% nos últimos 20 anos. Segundo ele, a redução das complicações está diretamente ligada à queda no número de abortos.
“A principal razão para a redução das complicações após o aborto induzido é que o Ministério da Saúde, desde 2005, tem produzido normas técnicas recomendando uma atenção humanizada ao abortamento”, afirmou Monteiro ao Estado.
“A mulher que chega ao serviço de saúde abortando está passando por um momento difícil e pode ter sentimentos de solidão, angústia, ansiedade, culpa, autocensura, medo de falar, de ser punida, de ser humilhada. Por isso o Ministério da Saúde tem recomendado o acolhimento e a orientação para uma atenção de qualidade e humanizada às mulheres nessa situação”, afirmou Monteiro.
Segundo ele, os profissionais de saúde são estimulados a “promover a escuta privilegiada”, evitando julgamentos, preconceitos e comentários desrespeitosos, com abordagem que respeite a autonomia das mulheres e seu poder de decisão, procurando estabelecer uma relação de confiança
“Isso tem resultado num aprimoramento da qualidade do atendimento, a mulheres em situação de abortamento, nos estabelecimentos vinculados ao SUS, reduzindo o número e a gravidade das complicações após o aborto”, explicou o pesquisador.
Impacto do método
Monteiro não acredita que o registro de redução nas complicações pós-aborto seja distorcido por falta de notificação oficial. “Tem havido uma melhoria significativa no registro e notificação, observada principalmente na vigilância epidemiológica da mortalidade materna”, declarou.
Segundo ele, a descriminalização do aborto induzido teria impactos positivos sobre a saúde das mulheres. “A descriminalização do aborto induzido permitiria uma atenção médico-hospitalar adequada, segura, de baixos riscos de complicações”, disse.
A baixa taxa de complicações, segundo Monteiro, deve-se também à ampliação do uso de métodos menos invasivos para realizar o aborto induzido – em especial o uso do Cytotec e da Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU).
Segundo ele, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) observou que a grande maioria das mulheres que procura um serviço de emergência com complicações de um aborto inseguro, sofreu um aborto incompleto. “Sem o atendimento adequado, estas mulheres podem ter uma hemorragia ou infecção, correndo sérios riscos de vida. Ao receber atendimento médico, estes casos são geralmente encaminhados para a retirada dos restos ovulares, sendo a técnica preferida a AMIU”, afirmou.
Outros fatores possivelmente associados à baixa taxa de complicações do abortamento induzido, segundo Monteiro, são o aumento da escolaridade da população feminina, a redução da taxa de fecundidade total e maior cobertura das medidas anticoncepcionais, reduzindo a frequência da gravidez indesejada.
“A cobertura de utilização de anticoncepcionais foi ampliada de 1996 para 2006, e a proporção de mulheres que não usavam nenhum método diminuiu em um quinto, passando de 22,1% para 18,4%. E é bastante provável que esta redução da taxa de fecundidade total seja consequência da elevada percentagem de mulheres em idade fértil esterilizadas, observada na Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, de 1996 e 2006″, explicou.
Acesso a contraceptivos
De acordo com Sonia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e militante da Marcha Mundial das Mulheres, a redução do número de abortos tem relação com uma melhoria no acesso aos métodos contraceptivos.
“Temos muito poucos estudos, a maior parte deles feita pelo próprio Ministério da Saúde. Mas as estatísticas mais recentes têm mesmo apontado para uma diminuição do número de abortos. Para nós, esses números refletem outra estatística: cresceu o número de mulheres com acesso aos métodos contraceptivos”, declarou Sonia.
Ela também associa a redução da necessidade de tratamento de complicações após o aborto ao uso de métodos abortivos como o Cytotec. “Nós que trabalhamos com mulheres desde a década de 80, vemos uma clara mudança da realidade, com redução do uso de métodos mais inseguros”, afirmou.
A criminalização do aborto, no entanto, ainda mantém a situação crítica para as mulheres – especialmente as mais pobres -, de acordo com Sonia.
“Não basta que o Ministério da Saúde tenha uma norma técnica recomendando atendimento humanizado. A norma é importante para as mulheres que chegam ao atendimento em uma situação grave de hemorrragia e complicação após um aborto. Mas é preciso ter um serviço de orientação para a mulher que decidiu abortar – mesmo que o aborto ainda seja ilegal. O poder público não pode lavar as mãos por causa da ilegalidade. É preciso priorizar o atendimento de saúde”, afirmou.
http://www.cearaagora.com.br/site/2015/08/brasil-tem-em-20-anos-reducao-de-26-em-abortos/
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