ARTIGO
Marcio Luis F. Nascimento: um Sortudo Centenário
02/12/2014 07:36:00
Faleceu aos 99 anos, no último dia 4 de novembro, devido a complicações cirúrgicas por implante ósseo no quadril, o químico e inventor americano Stanley Donald Stookey (1915-2014). Boa parte das pessoas talvez nunca tenha ouvido falar deste nome, mas certamente possui em sua cozinha ou ainda carrega consigo itens acessórios criados pela mente atenta desse prolífico e brilhante pesquisador, que também contou com o acaso e a sorte... Como assim, sorte? É fato que o Dr. Stookey não planejou sua principal invenção. Pode o acaso então influenciar descobertas científicas? A resposta é sim.
Bem, a ciência costuma utilizar de um termo onde eventos fortuitos auxiliam na descoberta – chama-se serendipidade. Esse termo se originou da palavra inglesa serendipity, criada pelo escritor britânico Horace Walpole (1717-1797), que escreveu o conto persa infantil Os Três Príncipes de Serendip, em 1754. A história contava as aventuras de três príncipes do Ceilão, atual Sri Lanka (mas que se chamava Serendib pelos árabes séculos atrás). Eles viviam fazendo descobertas inesperadas, cujos resultados não estavam procurando realmente. Graças à capacidade de observação e sagacidade, descobriam “acidentalmente” a solução para alguns dilemas impensados.
Pois foi de uma maneira assim, acidental, que Stookey desenvolveu o primeiro material vitrocerâmico sintético comercial, denominado Pyroceram?, ao trabalhar na empresa americana Corning (www.corning.com). Tal material pode resistir até um pouco mais de mil graus celsius, e apresenta excelentes propriedades mecânicas, como resistência ao impacto e dureza. Elaborou, então, pratos, caçarolas e diversos tipos de vasilhames que podiam ser expostos ao fogo, ou mesmo inseridos num forno, sem quebrar. Dessa forma, revolucionou a indústria de vidros e cerâmicos, elaborando uma invenção de milhares de dólares que gerou (e ainda mantém) dezenas de milhares de empregos.
Sua descoberta foi totalmente ocasional: trabalhando numa nova composição, patenteada em 1950 denominada vidro fotosensitivo, ele a deixou em meados de um certo dia de 1953 num forno que atingiu 900°C, onde esperava operar no máximo a 600°C. Antes de abrir o forno, já tinha percebido o erro, e imaginado que o material vítreo deveria estar todo derretido dentro do forno, que provavelmente estaria estragado. Qual a surpresa dele ao perceber que o material resultante estava inteiriço, embora não mais transparente (como em geral são os vidros). Totalmente opaco, com um aspecto leitoso, ele buscou retirar do forno (que não estava mais arruinado) com uma grande pinça, ainda impaciente. Sem tomar cuidado, deixou-a cair no chão, mas esta não quebrou com a queda (diferente do que em geral acontece com os vidros). Algo realmente muito curioso.
Logo depois, pesquisou por que o material deixou de ser vítreo, devido basicamente ao tratamento térmico dentro do forno, que recristalizou. Assim começou a estudar essa nova composição vítrea modificada, cristalizada, e produzir novos materiais mais resistentes a choques mecânicos e térmicos. De fato, esse novo material ficava até 9 vezes mais resistente a impactos quando comparado ao vidro sem tratamento térmico, e poderia ser retirado do congelador e inserido diretamente num forno sem quebrar.
Por sinal, os vidros fotosensitivos foram os primeiros dispositivos onde era possível armazenar imagens, como uma fotografia, de forma perene, colorida e em 3D, dentro de um vidro. Ele também criou os óculos denominados fotocrômicos na década de 1960 – aqueles que escurecem na presença da luz do sol. E participou da descoberta do vidro Gorilla, um melhoramento do vidro-base que forma o Pyroceram?, um novo material super-resistente que é a base da tela dos modernos smartphones e notebooks.
Trabalhou na mesma empresa por quase 50 anos, chegando a ser diretor de pesquisas. Bacharel em Química e Matemática em 1936, finalizou um doutorado no MIT em 1940 e logo após foi trabalhar na sua primeira e única empresa. Disse em sua autobiografia (Explorations in Glass, The American Ceramic Society, 2000) que não planejou trabalhar numa indústria de vidros – de fato, desconhecia totalmente o assunto. Produziu 58 patentes e publicou duas dúzias de trabalhos científicos. Em 1986 recebeu das mãos do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, a Medalha Nacional de Tecnologia.
Sempre muito solícito, Stookey dizia ser muito feliz em ter tido a sorte de descobrir esses novos materiais. E mais ainda por ser reconhecido e cumprimentado pelos demais colegas da empresa, por ter gerado muitos empregos (estima-se que por volta de 10 mil, além de vendas anuais ultrapassando 500 milhões de dólares, de acordo com seu obituário no jornal The Washington Post). Sem dúvidas, Stookey foi um centenário homem de sorte
* Marcio Luís F. do Nascimento é professor da Ufba
FONTE: http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/marcio-luis-f-nascimento-um-sortudo-centenario/?cHash=16fb61bb5c8c31dd7da25198b1139217
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