“POR AMOR ÀS COMUNIDADES”.
Era agosto de 1983, um ano de seca e de dificuldades para quem era da roça. E eu ainda tinha 12 anos de idade. A nossa família teve uma dificuldade a mais para enfrentar. Com a doença de Doa Luzia, minha santa e amada mamãe, que teve que ser transferida às pressas para o Hospital São José, com suspeita de meningite, faltou terra nos pés de todos nós. Foi e deixou os três filhos pequenos para serem cuidados pelo marido, que trabalhava de “cassaco” nas frentes de serviço do Governo do Estado, destinadas às famílias sem nada do sertão (era bem diferente do Bolsa Família).
Foi um dos períodos mais difíceis de nossas vidas. Ficar sem o carinho, a companhia e o aconchego de mamãe, não foi nada bom. Eu era o mais velho e tive que dar conta de cuidar da casa, aprender a fazer comida e cuidar de meus irmãos pequenos. Tive que perder muita aula na escola e acabei sendo reprovado, para repetir no ano seguinte, a quinta série, na Escola de Vazantes.
Mamãe ficou hospitalizada por longos cinco meses. Seu retorno para nós, foi como que chegar ao céu. Muitas pessoas diziam que ela não voltaria com vida e ouvir isso nos fazia sofrer ainda mais. Mas rezava com muita fé, junto com meus irmãos, as orações que mamãe nos tinha ensinado e tínhamos fé em Deus e em Nossa Senhora, que ela ficaria boa e voltaria para cuidar de nós.
Além das tarefas na roça, nos cuidados da casa, da família, mamãe também era catequista, rezava as novenas, os terços, realizava as coroações, fazia dramas, animava as datas comemorativas. Uma dessas pessoas cheias de criatividade e com uma força fora do comum, se esforçava para envolver todas as pessoas nas festividades e celebrações. Uma verdadeira Margarida (adjetivo dado às mulheres lutadoras). E na época, eu estava em preparação para a Primeira Comunhão, que aconteceria em dezembro do mesmo ano e ela era a minha catequista. Como tinha o catecismo dela, sabia todas as rezas e tinha muita força de vontade de ajudar, me propus a dar as aulas de catequese, enquanto minha mãe não voltava. Durante os quatro meses restantes do ano eu assumia todas as tardes de sábado, as tarefas de catequista, onde aprendi muita coisa e onde criei ainda mais gosto pelas coisas da fé, da Igreja, da comunidade. Foi também nesta época, que comecei a ler a Bíblia.
Nesta caminhada, já fui catequista de crianças, catequista de adultos, catequista de jovens, catequista para o matrimonio, batismo, crisma e para a primeira eucaristia, missionário, animador das celebrações, coordenador de Grupo de Jovens, Coordenador Regional e Arquidiocesano de Pastoral da Juventude, Agente da Pastoral da Terra, membro do Conselho de Pastoral da Arquidiocese de Fortaleza, membro da Semana Social Brasileira, animador do Grito dos Excluidos... e por aí vai. Tais ações me inspiraram e me conduziram a agir também nas área sociais, ambientais, culturais e politicas: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Conselho Tutelar, Associação Comunitária, Federação das Entidades Comunitárias, Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável, Comissão Municipal de Convivência com o Semiárido, Fórum Cearense pela Vida no Semiárido, Rádio Comunitária, Partido dos Trabalhadores, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Instituto de Desenvolvimento Familiar, Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local, Campanha da Cidadania Contra a Fome e Pela Vida, Comissão da Semana das Águas, Cooperativa da Agricultura Familiar do Maciço de Baturité, Rede de Produção Agroecológica do Maciço de Baturité, Associação de Missionários e Missionárias do Nordeste, Encontro de Produtores Orgânicos do Nordeste, Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Território Maciço de Baturité, Grupo dos Devotos do Padre Zé Maria, Programa Raízes do Sertão, Incubadora Tecnológica de Economia Solidária da Unilab... e tantas outras ações com as quais tenho me envolvido, sempre na busca de fazer o bem para as pessoas...
Nesses diversos espaços, conheci e convivi com pessoas especiais, maravilhosas, incríveis e inesquecíveis. Para citar algumas que lembro no momento: Dom Aloisio Lorscheider, Dom Antonio Fragoso, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Geraldo Nascimento, Dom Edimilson Cruz, Dom Plinio Luz, Padre Zé Maria, Padre Haroldo Coelho, Padre Moacir, Padre Fayos, Padre Carlos Alberto, Padre Ermano Alegri, Padre Pedro Rubens, Freir Martins, Frei Dimas, Irmã Valdineia, Irmã Neiva Sampaio, Irmã Elizabete, Irmã Clarice, Irmã Cleide, Irmã Tereza Cristina, Irmã Rosalba, Irmã Neuba Maciel, Irmã Jane, Irmã Matilde, Padre Eudázio, Zé Vicente, Seu Fernand, Dona Zélia, Seu Alberto, Zé Martins... e muitos e muitos outros padres, freiras, militantes, missionários, agentes, jovens, idosos, homens e mulheres incríveis, que me ajudaram e ajudam a ter uma visão ampla da fé, do mundo, da sociedade, da igreja, da realidade... Pessoas que nos ensinaram que “quem não vive para servir, não serve para viver”. Muitas e boas amizades, foram construídas nesta caminhada, entre tantas, destaco meu melhor amigo, Paulo Roberto Girão Lessa (O Beto). Até mesmo a Silvia Carmen, minha amada esposa, conheci num evento das comunidades, ainda nos anos 90 em Baturité.
O Dia Sagrado em que assumi pela primeira vez a coordenação de uma reunião com as crianças do catecismo, sem a presença de um adulto, foi o 20 de agosto de 1983, um sábado as quatro horas da tarde, no oitão lá de casa em Lagoa de São João - Aracoiaba. Esta data é para mim um marco, pois é um dia especial. E nesta segunda feira, dia 20 de agosto de 2018, quero agradecer ao nosso Bom e Maravilhoso Deus, pela minha vocação de Missionário e Seu servidor, ao longo desses 35 anos. Peço a Ele, que me conceda, as graças da fé, da esperança, da ousadia e do compromisso, para manter-me sempre fiel a esta vocação do serviço aos irmãos. Pois já que não fui ser padre, como mamãe tanto desejava, a vocação do serviço, da missão e do compromisso com a construção da nova sociedade, pela qual Jesus Cristo muito lutou e deu a própria vida, não posso e nem quero abrir mão de estar sempre a serviço.
Rendo Graças a Deus por esses 35 anos de caminhada e também aos amigos e aos familiares, que me apoiaram e apoiam nesta longa e difícil jornada. E peço todos e todas que rezem por mim, para que eu consiga manter-me firme e comprometido com tal propósito. Estamos em agosto que é mês vocacional, vale lembrar que serviço aos irmãos e a luta pela justiça e pela construção de um mundo melhor, é a vocação de todas as pessoas. Quero continuar carregando comigo, um lema de vida, que escolhi em 1990: “POR AMOR ÀS COMUNIDADES”.
MUITO OBRIGADO!!
Silvanar Soares Pereira
“Por Amor às Comunidades”
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