
Amor e paixão são os principais temas das mensagens deixadas pela Cidade
FOTOS: BRUNO GOMES

Criações são feitas com técnica de estêncil. A ideia é conversar com a cidade e trocar a dureza do cinza pela força das cores. Artista defende as intervenções em geral como forma de valorizar Fortaleza

Recados estão espalhados pela Praia de Iracema, Bairro de Fátima, Benfica, Parangaba, Aldeota, Centro e outros bairros da Capital
Fortaleza está falando. Mas só quem vive e sente suas ruas consegue perceber o que ela diz. Grafados (ou grafitados) pelos cantos, quase perdidos em meio à urbanidade, existem mensagens de amor, palavras de motivação, pensamentos. Pequenos recados deixados pela cidade para a cidade, com a ajuda de pessoas que se utilizam da arte para interagir com desconhecidos e, assim, tornar a Capital um pouco menos concreto e um tanto mais humana.
"Quer? Então queira 'de com' força", pergunta a frase impressa no muro do Centro da cidade. "Bora matar a sede de amor no 'gut gut'", é o que se sugere numa caixa telefônica em plena Avenida Treze de Maio. "Sinal fechou? Lembra do cheiro dela", diz o verso estampado na lixeira situada mais distante, na Praia de Iracema.
As frases estão por toda parte. O responsável pelas intervenções acima, que também ilustram esta reportagem, é o publicitário e artista urbano Felipe Yarzon. O cearense usa a técnica do grafite com estêncil e o "lambe-lambe" para colocar mais cor e poesia em Fortaleza e espalhar palavras positivas pela Capital. O trabalho teve início como parte da profissão, mas depois se transformou em prazer, cuja proposta é desencadear um diálogo com a população e, ao mesmo tempo, voltar a atenção do fortalezense para sua própria cidade.
Diálogo
"A ideia sempre foi conversar com a cidade. É muito gratificante quando alguma pessoa vem dizer que tal frase mudou o dia dela. Como o amor e a paixão são os principais temas dos meus 'stencils', sempre vai ter alguém para se identificar", afirma Felipe. "Já vi gente falando bem, mal e existe também quem nunca viu por não reparar nos muros. Um dos meus últimos 'stencils', o 'Sinal fechou? Lembra do cheiro dela' tem incomodado algumas pessoas que ainda não conseguiram esquecer o amor perdido", acrescenta.
Pela falta de talento para o desenho, Yarzon escolheu a palavra, em vez do desenho grafitado, como forma de expressão. Mas, para o publicitário, todo tipo de arte urbana tem a mesma importância. "Trocar a dureza do cinza pela força das cores", pontua ele.
Em outros lugares da cidade, iniciativas semelhantes à do cearense ganham espaço nas ruas. Quem passa pela Rua Meton de Alencar, no Centro, é surpreendido pela pergunta "Você é a saudade de quem?", de autor desconhecido. Também anônima está a intervenção com a mensagem "Quem planta e rega, um dia colhe", na Avenida Aguanambi.
Novo olhar
"Nesse cotidiano difícil de estar na cidade, que é sempre como estar em trânsito, indo para algum lugar, perceber essa arte e trazê-la para pensar já mostra o poder que ela tem de transformar", ressalta a professora Deisimer Gorczevski, do Instituto de Cultura e Arte (ICA), da Universidade Federal do Ceará (UFC). "No momento em que a gente se deixa permear, já desloca o nosso modo de sentir, olhar, perceber as coisas", completa.
Para a especialista, que pesquisa a arte urbana em Fortaleza, além das intervenções em si, os suportes físicos utilizados para executá-las, como muros, postes e caixas telefônicas, já provocam uma mudança na relação com o espaço urbano.
"Tem desde o lugar mais abandonado, decadente, que ganha uma vida com essa expressão, aos ambientes que estão bem visíveis, mas que a gente não costuma perceber", afirma a professora Deisimer.
Com isso, ela destaca que a arte urbana gera a possibilidade de estar na cidade de outro jeito: "Muda a forma como nós vivemos a rua e esses ambientes, que são lugares com os quais a gente não estabelece uma comunicação, onde nem sempre estamos atentos àquilo que está passando no percurso. Essas intervenções nos deixam mais atentos à nossa cidade e nos provoca a estar nela com mais sentido".
Intervenções contrastam com poluição visual
Expressões artísticas de rua como as mensagens espalhadas pelas ruas de Fortaleza frequentemente dividem espaço e contrastam com a prática de pichações e afixação de anúncios, cartazes, placas e outros materiais de propaganda que, na verdade, contribuem para aumentar a poluição visual na cidade.
Na tentativa de combater a deterioração estética da Capital, nos últimos anos, artistas, grafiteiros e o próprio poder público têm investido na arte urbana como forma de embelezar a paisagem e, ao mesmo tempo, evitar ações de vandalismo e exposições abusivas de publicidade nas estruturas de Fortaleza.
Viadutos nas avenidas Washington Soares, Antônio Sales e Engenheiro Santana Junior já receberam ilustrações. Os muros da Universidade Federal do Ceará (UFC), do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, e do Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (CUCA) da Barra do Ceará também se transformaram em murais a céu aberto.
Segundo Mairlon Moreira, coordenador de fiscalização da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), a Prefeitura de Fortaleza procura incentivar e articular iniciativas como a grafitagem para coibir a poluição visual na Capital.
"As ações já realizadas pela Prefeitura inibem o uso destes espaços para a prática de propagandas irregulares e pichações, além de valorizarem a criatividade dos artistas. A legislação que trata da propaganda na Cidade não proíbe o grafite em logradouros públicos, desde que esta intervenção seja apenas uma manifestação cívica, não contendo, portanto, publicidade de estabelecimentos comerciais", afirma.
Vanessa Madeira
Repórter
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/arte-urbana-humaniza-fortaleza-e-revela-uma-capital-que-fala-1.1226674