EXPRESSÕES
22.02.2015
Mensagens de amor, pensamentos e palavras de motivação se espalham pela cidade em recados grafitados
Fortaleza está falando. Mas só quem vive e sente suas ruas consegue perceber o que ela diz. Grafados (ou grafitados) pelos cantos, quase perdidos em meio à urbanidade, existem mensagens de amor, palavras de motivação, pensamentos. Pequenos recados deixados pela cidade para a cidade, com a ajuda de pessoas que se utilizam da arte para interagir com desconhecidos e, assim, tornar a Capital um pouco menos concreto e um tanto mais humana.
"Quer? Então queira 'de com' força", pergunta a frase impressa no muro do Centro da cidade. "Bora matar a sede de amor no 'gut gut'", é o que se sugere numa caixa telefônica em plena Avenida Treze de Maio. "Sinal fechou? Lembra do cheiro dela", diz o verso estampado na lixeira situada mais distante, na Praia de Iracema.
As frases estão por toda parte. O responsável pelas intervenções acima, que também ilustram esta reportagem, é o publicitário e artista urbano Felipe Yarzon. O cearense usa a técnica do grafite com estêncil e o "lambe-lambe" para colocar mais cor e poesia em Fortaleza e espalhar palavras positivas pela Capital. O trabalho teve início como parte da profissão, mas depois se transformou em prazer, cuja proposta é desencadear um diálogo com a população e, ao mesmo tempo, voltar a atenção do fortalezense para sua própria cidade.
Diálogo
"A ideia sempre foi conversar com a cidade. É muito gratificante quando alguma pessoa vem dizer que tal frase mudou o dia dela. Como o amor e a paixão são os principais temas dos meus 'stencils', sempre vai ter alguém para se identificar", afirma Felipe. "Já vi gente falando bem, mal e existe também quem nunca viu por não reparar nos muros. Um dos meus últimos 'stencils', o 'Sinal fechou? Lembra do cheiro dela' tem incomodado algumas pessoas que ainda não conseguiram esquecer o amor perdido", acrescenta.
Pela falta de talento para o desenho, Yarzon escolheu a palavra, em vez do desenho grafitado, como forma de expressão. Mas, para o publicitário, todo tipo de arte urbana tem a mesma importância. "Trocar a dureza do cinza pela força das cores", pontua ele.
Em outros lugares da cidade, iniciativas semelhantes à do cearense ganham espaço nas ruas. Quem passa pela Rua Meton de Alencar, no Centro, é surpreendido pela pergunta "Você é a saudade de quem?", de autor desconhecido. Também anônima está a intervenção com a mensagem "Quem planta e rega, um dia colhe", na Avenida Aguanambi.
Novo olhar
"Nesse cotidiano difícil de estar na cidade, que é sempre como estar em trânsito, indo para algum lugar, perceber essa arte e trazê-la para pensar já mostra o poder que ela tem de transformar", ressalta a professora Deisimer Gorczevski, do Instituto de Cultura e Arte (ICA), da Universidade Federal do Ceará (UFC). "No momento em que a gente se deixa permear, já desloca o nosso modo de sentir, olhar, perceber as coisas", completa.
Para a especialista, que pesquisa a arte urbana em Fortaleza, além das intervenções em si, os suportes físicos utilizados para executá-las, como muros, postes e caixas telefônicas, já provocam uma mudança na relação com o espaço urbano.
"Tem desde o lugar mais abandonado, decadente, que ganha uma vida com essa expressão, aos ambientes que estão bem visíveis, mas que a gente não costuma perceber", afirma a professora Deisimer.
Com isso, ela destaca que a arte urbana gera a possibilidade de estar na cidade de outro jeito: "Muda a forma como nós vivemos a rua e esses ambientes, que são lugares com os quais a gente não estabelece uma comunicação, onde nem sempre estamos atentos àquilo que está passando no percurso. Essas intervenções nos deixam mais atentos à nossa cidade e nos provoca a estar nela com mais sentido".
Intervenções contrastam com poluição visual
Expressões artísticas de rua como as mensagens espalhadas pelas ruas de Fortaleza frequentemente dividem espaço e contrastam com a prática de pichações e afixação de anúncios, cartazes, placas e outros materiais de propaganda que, na verdade, contribuem para aumentar a poluição visual na cidade.
Na tentativa de combater a deterioração estética da Capital, nos últimos anos, artistas, grafiteiros e o próprio poder público têm investido na arte urbana como forma de embelezar a paisagem e, ao mesmo tempo, evitar ações de vandalismo e exposições abusivas de publicidade nas estruturas de Fortaleza.
Viadutos nas avenidas Washington Soares, Antônio Sales e Engenheiro Santana Junior já receberam ilustrações. Os muros da Universidade Federal do Ceará (UFC), do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, e do Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (CUCA) da Barra do Ceará também se transformaram em murais a céu aberto.
Segundo Mairlon Moreira, coordenador de fiscalização da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), a Prefeitura de Fortaleza procura incentivar e articular iniciativas como a grafitagem para coibir a poluição visual na Capital.
"As ações já realizadas pela Prefeitura inibem o uso destes espaços para a prática de propagandas irregulares e pichações, além de valorizarem a criatividade dos artistas. A legislação que trata da propaganda na Cidade não proíbe o grafite em logradouros públicos, desde que esta intervenção seja apenas uma manifestação cívica, não contendo, portanto, publicidade de estabelecimentos comerciais", afirma.
Vanessa Madeira
Repórter
Repórter
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/arte-urbana-humaniza-fortaleza-e-revela-uma-capital-que-fala-1.1226674
Nenhum comentário:
Postar um comentário