INTERNAÇÃO
Em quatro anos, a Capital desativou 400 leitos pediátricos do SUS
10.11.2014
Fortaleza foi a capital do Brasil que mais fechou vagas para crianças e adolescentes entre 2010 e 2014
O pequeno Alessandro Monteiro Barbosa, de apenas cinco meses de idade, desde os 15 dias de vida, sente na pele as limitações da falta de saúde. Ele, que tem uma doença rara, a deficiência de carnitina, hoje ocupa um leito pediátrico do SUS pela segunda vez. Ter tido acesso à vaga com rapidez, foi para a mãe do bebê, a doméstica Alessandra Monteiro, um alívio. Porém, a efetivação do direito nem sempre é tão rápida. Nos últimos quatro anos, Fortaleza foi a capital do Brasil que mais desativou leitos pediátricos. De 2010 a 2014, foram fechadas 400 vagas par a internação infantil.
Hoje, mãe e filho estão no Hospital Infantil Albert Sabin, que, felizmente, indo de encontro a situação de desativação, ampliou os leitos, nos últimos anos, conforme a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), passando de 237 para 306. Mas, o hospital estadual voltado para o atendimento de alta complexidade, mas que no dia a dia recebe demanda de atendimentos de baixa complexidade e tem de encaminhar para outras unidades.
"Primeiro procurei outro hospital, passei oito dias internada com o Alessandro, e depois fui encaminhada para cá. Aqui por duas vezes ele necessitou de leito de UTI e tivemos que esperar. Mas, depois ele melhorou e não foi preciso", conta a doméstica.
Alessandro tem um doença rara que é causada por uma mutação na proteína que transporta cartinina - um nutriente sintetizado presente nas células do corpo que ajudam na produção de energias e no metabolismo.
Na conta que preocupa, mas não surpreende quem cotidianamente sente na pele os dilemas das limitações do SUS, Fortaleza foi a segunda capital do Brasil, em números absolutos, que mais perdeu leitos de internação, entre julho de 2010 e julho de 2014, conforme divulgado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), recentemente. As informações têm como base os dados Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde.
Neste intervalo de tempo, 776 leitos de internação foram desativados na Capital. No mesmo intervalo de tempo o Município ganhou 55 leitos complementares e 94 de observação.
Nas internações, além dos leitos pediátricos foram registradas ainda as perdas de 128 cirúrgicos, 149 obstétrico e 321 de outras especialidades.
Impacto
"A redução impacta no atendimento porque a população pediátrica vem aumentando bastante. Com a taxa de natalidade maior, é provável o aumento de doenças", ressalta a presidente da Sociedade Cearense de Pediatria, Francielzi Lavor.
De acordo com ela, as doenças que prevalecem em crianças são sazonais e no primeiro semestre, geralmente, acentuam-se as viroses gastrointestinais. Estas, em muitos casos, demandam internações. Além disso, a pediatra destaca que casos mais sérios de dengue que afetam crianças e adolescentes, bem como o aumento na recorrência dos casos de alergias, infecções respiratórias e pneumonia contribuem para o crescimento da demanda por internações.
Francielzi também defende que, além do baixo número de leitos, a assistência à criança é prejudicada porque a rede básica - responsável pela prevenção e imunização - não é estruturada. "Temos que aumentar a quantidade de médicos na atenção primária. Não há concurso para pediatras, somente seleções públicas que não dão estabilidade. E não há interesse por parte dos governos municipal, estadual e federal", reclama.
Ela ressalta que a precariedade afeta a aplicação efetiva da puericultura - ciência médica que se dedica ao estudo dos cuidados do desenvolvimento infantil. "A rede básica de saúde hoje é aparelhada de uma maneira que a criança no seu primeiro ano de vida só é vista pelo médico no serviço de urgência e emergência. O acompanhamento é mínimo e precário", alerta.
Conforme a Associação dos Hospitais do Estado do Ceará (Ahece), dentre os motivos para redução de leitos no Ceará, e em Fortaleza, nos últimos oito anos, o que mais pesou foi o financiamento. Nesse intervalo de tempo, 35 hospitais foram fechados no interior do Estado e 21 na Capital. No mesmo período, pelo menos 15 hospitais e serviços de pediatria, que tinham leitos públicos ou conveniados, foram desativados em Fortaleza.
"Essas questões se agravaram devido o congelamento da tabela do SUS que não é atualizada há 13 anos. E o Governo Federal não tem admitido corrigir", explica o presidente da Ahece, Aramicy Pinto. De acordo com ele, a situação não está mais complicada porque a alguns hospitais municipais foram construídos e o Ministério da Saúde também apostou na contratação dos chamados leitos de retaguarda.
Aramicy garante que esses leitos que estavam ociosos em hospitais privados e filantrópicos e foram pactuados com o SUS em regime de contratação diferenciado. "Há uma verba especifica do Ministério da Saúde para o Estado, mediante uma tabela de custo que cada hospital apresenta. O valor não é o da tabela convencional do SUS", informa.
Central não identifica a demanda real
Questionada sobre a quantidade de crianças que esperam por um leito pediátrico, hoje, em Fortaleza, a titular da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Socorro Martins, explicou que a Central de Regulação de Leitos de Fortaleza está passando por um processo de ajuste para integração com a Central de Regulação Estadual. Segundo ela, atualmente, as demandas registradas na Capital podem não ser reais. "Hoje podemos ter 100 pessoas na fila, e quando vamos checar essa demanda nem existe", afirma.
Conforme a secretária, os sistemas de registro de demandas por leitos municipais está sendo integrado há um mês ao do Estado. Já a integração das centrais das filas de espera por procedimentos como exames e consultas no município foi iniciada nesta semana como a rede Estadual. Questionada sobre o porquê da demora em realizar a integração - já que a atual gestão assumiu há um ano e 10 meses - para que o município saiba, de fato, quantas pessoas esperam por leitos, Socorro explicou que no pacto, que começou a ser discutido no ano passado, o Governo do Estado ficou responsável por garantir o sistema de tecnologia da informação para viabilizar a integração, e somente há pouco tempo disponibilizou o mesmo.
A secretária reconhece que houve diminuição de leitos pediátricos, mas garante que a redução deu-se em leitos de baixa e média complexidade e ocorreu também por fatores positivos, como a melhoria da rede primária. Ela argumenta que a estruturação dos postos de saúde, que funcionam, agora, de 7h às 19h e a ampliação do Programa de Saúde da Família (PSF) que, atualmente, cobre 50% da população da Capital tem aos poucos garantido essa melhoria.
"Admitimos que há questão do financiamento, a carência de atualização da tabela. Temos alguns problemas sim. Mas, também tivemos redução da necessidade de internação devido às intervenções que inibiram as doenças e reduz a demanda", garante. A SMS assegura que patologias infecto-contagiosas como infecções de vias aéreas superiores e diarreias tiveram redução.
Outro ponto importante, segundo Socorro, foi aumento das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), pois garantiu tratamento mais rápidos, frente às condições mais agudas das enfermidades infanto-juvenis.
Apesar desses fatores considerados positivos pela gestão, a secretária destaca que, hoje, Fortaleza tem carência de leitos pediátricos de internação de alta complexidade. O Hospital Albert Sabin da rede estadual é o único que atende a toda a demanda do Estado de leitos do tipo. Por isso, leitos de retaguarda foram pactuados entre a Prefeitura e Governo na unidade para assegurar o atendimento destas demandas. Os leitos de retaguarda, conforme a SMS, se tiverem sido criados, custam R$ 300,00 a diária e se já existirem R$ 200,00.
O Hospital Infantil Albert Sabin atende 31 especialidades e conta, atualmente, com 306 leitos. A unidade tem 14 leitos de UTI pediátrica, 12 de neonatal, 22 de médio risco, oito de pós-operatório e sete de oncologia. No ano passado, o Hospital estadual realizou 8.755 internações. Neste ano, até outubro, já foram 7.594 procedimentos do tipo. Segundo a SMS, Fortaleza conta, hoje, com 621 leitos pediátricos do SUS. Destes, 1,2% são em hospitais particulares.
Thatiany Nascimento
Repórter
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FONTE:
DN
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