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domingo, 11 de maio de 2014

Boato potencializa linchamentos

REDES SOCIAIS

Boato potencializa linchamentos

11.05.2014

Para especialistas, a ausência de políticas públicas nas periferias contribui para a prática de atos criminosos


boatos
Repercussão nas redes sociais e anonimato podem deixar a situação incontrolável
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Perfil no Facebook do Guarujá Alerta publicou imagem da suposta sequestradora, que chegou a se manifestar na página para se defender
FOTO: REPRODUÇÃO DA WEB
Neste domingo as duas filhas de Fabiane Maria de Jesus não poderão homenagear a mãe pelo dia dela. Linchada por moradores de uma comunidade de Guarujá/SP na semana passada, a dona de casa morreu na última segunda-feira por consequência das agressões. A violência foi cometida após ela ser confundida com uma criminosa que nem sequer existe. Além das graves consequências da disseminação de um boato calunioso, o ocorrido com Fabiane expõe os casos cada vez mais presentes de crimes cometidos em nome de uma suposta justiça.
Segundo especialistas, linchamentos são resultado da ausência do Estado, o que transmite à população uma necessidade de agir por conta própria. Com a massificação do uso das mídias sociais, ações de "justiça com as próprias mãos" têm ganhado maior repercussão e a possibilidade de boatos levarem ao cometimento de crimes é muito maior. Para o sociólogo César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), "a rede social como propagadora de boatos é perigosa por aumentar o risco de linchamentos", afirmou.
Segundo ele, as novas tecnologias trazem uma nova forma de estimular essa prática, especialmente por causa do anonimato. "Os linchamentos costumam ser provocados por crimes como um homicídio, estupro ou a morte de uma criança. Eles são carregado de moralidade, de reforço dos laços sociais. Com as redes sociais isso vai ficar incontrolável".
Repercussão
Foi o que aconteceu com Fabiane Maria de Jesus. Após uma série de boatos publicados como denúncias na página do Facebook Guarujá Alerta, relatando que uma suposta sequestradora utilizaria crianças em rituais de magia negra, o clima de terror se instaurou em certas áreas da cidade. Bastou um mal entendido para que a dona de casa fosse apontada como criminosa e brutalmente espancada. Apesar da repercussão deste caso, situações como esta não são incomuns.
"A prática do linchamento não aumentou, ela só se tornou mais visível", explicou César Barreira. "Esta é uma prática que existe no Brasil desde o início do século passado. O que tem de novo são as discussões que vêm surgindo, como o uso das redes sociais, que servem para divulgar coisas boas e ruins, não só a difamação" completou o especialista.
Barbárie
Questionado sobre o que leva pessoas a cometerem este tipo de atrocidade em pleno século XXI, o sociólogo afirmou que atitudes consideradas retrógradas são comuns. "A sociedade é uma ambiguidade. Trabalhamos sempre com o cinza. A sociedade é uma mistura de medieval e moderno, civilização e barbárie. Ela caminha com avanços e recuos", ressaltou. Contudo, há também situações próprias de uma época. "Uma característica atual é que hoje vivemos a intolerância, o individualismo", disse.
Já a também socióloga Ariadne Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), entende que as ações, por mais chocantes que sejam, não podem ser classificadas como atos irracionais ou de barbárie. Em sua tese de mestrado, que analisou linchamentos ocorridos na periferia de São Paulo, ela escreveu que "as vítimas de linchamento não são aleatórias, os alvos preferenciais são os mesmos já cometidos pela violência policial e pelos homicídios".
Poder Público
Entretanto, os dois concordam com a afirmação de que na gênese dos crimes de linchamento está a falta de ações do Poder Público. "As declarações de moradores daquelas regiões (...) falam constantemente sobre a ausência do Estado e a necessidade de agir", escreveu a pesquisadora. "A relação é nitidamente muito direta entre violência e ausência de poderes públicos. Se temos bons serviços públicos, temos diminuição da violência", disse César Barreira. Segundo ele, termos como justiça e vingança são usados como desculpas validar os atos.
Responsável por site não pode ser acusado de crime
Apesar dos boatos divulgados pela página Guarujá Alerta terem causado o pânico que culminou com a morte de Fabiane Maria de Jesus, os administradores da fanpage não podem ser acusados de nenhum ato criminoso.
Segundo o advogado especialista em direito eletrônico André Peixoto, o maior problema no caso foi a "irresponsabilidade da população" em cometer o linchamento. Para ele, os responsáveis pela divulgação do boato só poderiam ser acusados de cometer algum delito "se o texto da mensagem estimular o ato, aí existe a incitação ao crime", disse.
"A princípio, quem veiculou a informação não tem responsabilidade pelo crime, a não ser que tenha feito uma incitação de forma dolosa, trazendo informações incorretas com a intenção de prejudicar alguém", explicou o advogado, que também é vice-presidente do Instituto de Direito da Tecnologia da Informação.
Equívoco
O perfil do Guarujá Alerta no Facebook chegou a publicar uma imagem da suposta sequestradora de crianças que atuaria no Guarujá. Para André Peixoto, neste caso, houve um claro equívoco. "Houve um erro na questão da foto, mas não pode associar isso a um assassinato", afirmou o advogado.
Para ele, o máximo que pode acontecer com quem criou o boato é ser acusado de difamação. "É preciso fazer uma ligação concreta entre a conduta e o ato praticado. Mesmo que houvesse a intenção de levar ao homicídio, o caso cairia no crime de difamação mas não de assassinato" explicou. Como exemplo, o advogado lembra que existem sites incitando o suicídio. Contudo, "não se pode acusá-los de assassinato. Tem que ter uma conduta direta", reforçou.
Marco Civil
Por outro lado, de acordo com Peixoto, com a aprovação da lei que institui o Marco Civil da Internet, o combate a crimes virtuais será mais eficiente.
"O marco civil vai regular a forma como a internet funciona. Um dos aspectos é a guarda das informações, o que vai ajudar bastante a identificar os infratores", disse.
Entretanto, ainda há pontos a melhorar, como as punições para os delitos cometido virtualmente. "Infelizmente, as penas ainda são pequenas, porque não consideram a potencialidade dos crimes cometidos na internet", finalizou.
Marco Civil permite coleta de dados
Sancionada pela presidente Dilma Rousseff no último dia 23 de abril, a lei que institui o Marco Civil da Internet traz diretrizes para os direitos e proibições relativos ao uso da internet, como também define os casos em que a Justiça pode requisitar o registro de dados de acesso à rede e às comunicações dos usuários.
O texto obriga os provedores responsáveis pela guarda de dados a disponibilizar informações que possibilitem a identificação do usuário mediante ordem judicial. A lei trata de três princípios básicos estabelecidos para garantir o caráter aberto da Internet: a neutralidade da rede, a liberdade de expressão e a privacidade dos usuários.
Com relação à neutralidade de rede, o texto prevê que o tráfego de qualquer dado deve ser feito com a mesma qualidade e velocidade, sem discriminação, sejam dados, vídeos, etc. Na prática, se essa neutralidade não for garantida, a internet poderia funcionar como uma TV a cabo, onde os cidadãos pagariam determinado valor para acessar redes sociais e outro para acessar redes e vídeos, por exemplo.
O princípio da garantia da liberdade de expressão também dá mais poder ao usuário. Antes, redes sociais como o Facebook e o Youtube, podem tirar do ar fotos ou vídeos que usem imagens de obras protegidas por direito autoral ou que contrariam regras das empresas. Por exemplo, fotos que incitam a violência ou vídeos que mostrem telejornais de emissoras já foram retirados do ar sem que os criadores desses conteúdos solicitassem a restrição da veiculação.
Com o Marco Civil da Internet, essas empresas deixam de ser responsáveis pelos conteúdos gerados por terceiros e não poderão retirá-los do ar sem determinação judicial, a não ser em casos de nudez ou de atos sexuais de caráter privado.
A lei também garante a privacidade dos usuários da internet, ao estabelecer que informações pessoais e registros de acesso só poderão ser vendidos se o usuário autorizar expressamente a operação comercial. Até então, os dados eram usados por grandes empresas para obter mais receitas publicitárias, já que elas têm acesso a detalhes sobres as preferências e opções dos internautas e acabam vendendo produtos direcionados.
Outros 13 pontos também foram estabelecidos pela "Constituição da Internet", como passou a ser chamada o Marco Civil. A inviolabilidade da intimidade e da vida privada e indenização em caso de violação; a não suspensão da conexão à internet, salvo em casos de débito; a manutenção da qualidade contratada da conexão à internet são alguns dos direitos garantidos pela lei aos usuários.
ENTREVISTA
População precisa ser educada para a mídia
Os boatos são mais perigosos nas redes sociais?
Não é de agora, com a ascensão da Internet, que essa onda de reforçar boatos passou a existir.
Na verdade, isso já acontece há muito tempo. O que faz um boato se espalhar pela Internet é a necessidade de passar uma informação para o outro.
A necessidade de alertar sobre algo de que se sabe para alguém. Na Internet isso é muito mais fácil.
Mais potente ainda é compartilhar a informação para centenas de pessoas com um ou dois cliques.
A facilidade estimula os boatos?
A facilidade é o que permite que boas e más notícias se espalhem. Mas não se pode condenar a Internet por causa de boatos e armações, que de fato acontecem, porque há coisas boas.
Assim como proliferam informações positivas, proliferam também as negativas. A questão é que a passagem da informação se tornou mais rápida.
O que é preciso fazer para evitar que casos como o de Guarujá se repitam?
Nós brasileiros não temos educação para a mídia, seja ela a Internet ou a televisão, por exemplo. É preciso que exista uma visão crítica sobre ela e o poder que exerce sobre as massas. Quando a gente põe a Internet nesse aspecto, ela se diferencia por ser rápida e assíncrona (que não se realiza ao mesmo tempo que outro fato). Um jornal na TV tem matérias que podem ser acessadas pela internet, mas é preciso acessá-las, é mais difícil. Na internet a velocidade é maior e de maior alcance. Mas não se pode demonizar a internet.
A população precisa desenvolver uma visão crítica sobre a mídia. É saber ler uma notícia, ler uma matéria, perceber os prós, contras e fazer uma síntese.
Se a população precisa ser educada para ler a mídia, na internet é mais necessário, porque a formação é trocada muito rapidamente. Você recebe bombardeio de informações como se fosse verdade.
É a mesma responsabilidade que a imprensa deve ter. Como deixamos de ser consumidores para ser também produtores de conteúdo, cada indivíduo passou a ser uma forma de mídia.
W. Gabriel de Oliveira
Professor de marketing da Unifor e especialista em Tecnologias Digitais
Germano Gibeiro
Repórter
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FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE

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