ENTREVISTA COM O DR. JOSÉ LUIZ RIOS
Imunoterapia diminui a sensibilidade alérgica
07.12.2014
Pacientes devem reconhecer os sinais precoces das crises alérgicas, alerta José Luiz Rios, da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia
O que é imunoterapia e quais os objetivos dessa abordagem?
É um tratamento que visa modular o sistema imunológico, quer seja para estimulá-lo a combater um câncer ou uma infecção, ou para dessensibilizá-lo para que ele deixe de reagir contra substâncias que não são nocivas ao organismo (ex: alergias). Em relação à alergia, a imunoterapia é o tratamento por meio do qual, doses progressivamente maiores de uma substância alergênica (alérgeno), são administradas a um paciente alérgico a essa substância, com o intuito de estimular o desenvolvimento de uma tolerância e, assim, diminuir a sua alergia a tal substância. Isso é chamado de tolerância imunológica e acarreta a redução dos sintomas alérgicos.
Por que a imunoterapia é considerada pela OMS como o único procedimento capaz de mudar o curso de uma doença alérgica?
Uma vez que o indivíduo se tornou alérgico a determinada substância, sempre que seu organismo entrar em contato com ela, irá reagir. Todos os remédios para tratar alergia, atuam reduzindo os sintomas ou inibindo as reações do organismo que resultam nos sintomas de alergia. Mas, nenhum remédio diminui a alergia, a sensibilidade que o indivíduo tem em relação à substância que ele é alérgico. Quando para de fazer uso desses medicamentos, ele volta a reagir e a apresentar os sintomas com a mesma intensidade. A imunoterapia (vacinas com alérgenos), porém, atua diminuindo essa sensibilidade alérgica. Ela interfere nos mecanismos imunológicos que produzem as reações, levando o indivíduo a não reagir quando em contato com a substância à qual ele é alérgico. Passa a tolerar o contato com a substância sem reagir. O prolongamento da imunoterapia pelo tempo adequado (3 a 5 anos) consolida essa tolerância, deixa de ter sensibilidade e de reagir ao alérgeno. De tal forma que quando se completa o tratamento, a pessoa continua sem os sintomas de alergia por muitos anos ou pela vida toda.
Qual o perfil de paciente que pode se submeter à imunoterapia? Em quais situações ela é indicada?
É indicada para os casos de alergia em que o paciente não pode ou não consegue evitar o contato com a substância alergênica. Além disso, depende do tipo de mecanismo envolvido na reação alérgica. Existem quatro mecanismos de reações alérgicas (de hipersensibilidade). As reações do tipo 1 ou do tipo imediato, que são "mediadas por IgE", são as que respondem bem à imunoterapia. (IgE é o principal tipo de anticorpo que intermedia as reações alérgicas). São as reações em que os sintomas surgem minutos após a exposição ao alérgeno: alergia respiratória (rinite e asma), a veneno e insetos e algumas formas de alergia alimentar.
Como a imunoterapia é eficiente?
O alérgeno tem que ser identificado, por meio dos testes alérgicos, que são mais sensíveis; ou por exame de sangue, que dosa os níveis de IgE específica para os alérgenos suspeitos. A imunoterapia deve ser feita com o alérgeno identificado para aquele indivíduo. Em princípio, qualquer paciente pode ser submetido à imunoterapia para alergia. Existem poucas restrições relacionadas à idade e a doenças associadas que podem limitar o uso da imunoterapia. Existem outros tipos de alergia, mediadas por outros mecanismos, como a de contato e grande parte das alergias a medicamentos e a alimentos, que não respondem porque o mecanismo que envolve essas reações não é do Tipo 1, mediado por IgE.
As vacinas com alérgenos não podem ser aplicadas como forma isolada de tratamento, correto?
O tratamento imunoterápico demora a fazer efeito, a mostrar resultados e, por isso, o paciente deve ser orientado a usar concomitantemente medicamentos que controlem os sintomas. Especialmente na alergia respiratória, tanto a rinite quanto a asma provocam uma inflamação crônica da mucosa respiratória que é responsável pela intensidade e manutenção dos sintomas, além de contribuir para uma maior reatividade: facilidade de reagir a mínimos estímulos. Por isso, principalmente nessas alergias, os indivíduos devem ser tratados também com medicamentos para controlar a reduzir a inflamação alérgica da mucosa. Os corticóides inalados são os melhores anti-inflamatórios para esses casos, pois contribuem para a redução da frequência e gravidade das crises. Devem ser usados por longos períodos, até que a imunoterapia vá sendo consolidada e controlada a alergia.
Quais outras medidas preventivas são necessárias?
As medidas de prevenção e controle do ambiente também são importantíssimas: quanto menos alérgenos em contato com o paciente, menos reações. Os pacientes também devem ser orientados a reconhecer os sinais precoces das crises e do seu agravamento. Nas reações graves (asma grave ou reação anafilática a picadas de insetos), o paciente tem que saber usar e portar consigo uma medicação de resgate, que aborte ou reduza a intensidade da crise, até que ele consiga socorro médico. Um broncodilatador spray ("bombinha"), nos casos de asma, e adrenalina, nos casos de anafilaxia; tudo faz parte do "plano de tratamento".
Existem contraindicações?
Sim. Em geral não se deve indicar imunoterapia em pacientes com doença em que o risco de morte seria maior caso ocorrecem reações graves à vacina, que pudessem evoluir para anafilaxia. São os casos dos pacientes com doença cardíaca grave, hipertensão arterial grave e mal controlada e pacientes com capacidade respiratória muito diminuída. O uso de certos medicamentos também pode ser uma contraindicação. A presença de câncer ou de doença autoimune mal controlada podem contra-indicar a imunoterapia: manipular o sistema imune desses pacientes com as vacinas poderia prejudicar o controle dessas doenças: depende da avaliação dos especialistas envolvidos. Pacientes com distúrbio mental grave podem inviabilizar a aplicação das vacinas, impedindo assim a imunoterapia.
Como a imunoterapia é aplicada?
É aplicada por meio de injeções periódicas, por via subcutânea. É um método de comprovada eficácia, demonstrada por muitos estudos há muitos anos. Nos últimos anos, surgiram vários estudos mostrando que a imunoterapia por via sub-lingual pode ser tão eficaz quanto a via subcutânea para a alergia respiratória. Porém, a quantidade de antígenos por via sublingual tem que ser muito maior e purificado, o que pode inviabilizar o tratamento devido ao custo. No Brasil, ainda não há estudos sobre a qualidade e a eficácia do material para imunoterapia sublingual aqui comercializado. Para a alergia a veneno de insetos a via é sempre subcutânea. Já na alimentar, a imunoterapia começou há poucos anos, ainda de forma experimental, mas, os estudos mostram que a via oral é a mais eficaz. Outras formas de imunoterapia estão em estudo para o futuro. Quanto à programação e supervisão, essa deve ser sempre feita por um médico especialista em alergia. Só ele é devidamente treinado para conduzir o tratamento com sucesso e sem riscos.
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