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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Prática de trocar cartas sobrevive à era digital

CORRESPONDÊNCIA

Prática de trocar cartas sobrevive à era digital

03.02.2014
Cartas
O estudante universitário Tiago Castelo, 20, se comunica através de cartas com os amigos e guarda todosos manuscritos
FOTO: BEATRIZ BLEY
Escolher papel e caneta especiais e dedicar um momento do dia para redigir uma carta parecem um tanto arcaico em pleno ano de 2014, quando os acontecimentos cotidianos das pessoas são compartilhados, de modo constante e imediato, por meio de postagens em redes sociais ou ligações telefônicas.
Nos Correios, o fluxo postal tradicional aumentou bastante nos últimos anos: por mês, 14,6 milhões de objetos são entregues só no Ceará. O crescimento, entretanto, carrega certa impessoalidade, já que a própria empresa reconhece que a elevação é causada pelo envio de faturas, extratos e outros documentos burocráticos.
O costume de trocar cartas, entretanto, não deixou de existir, especialmente para aqueles que acreditam que o zelo com que as histórias e sentimentos são depositados na folha de papel envelopada não será substituído pelo ar efêmero que tomou a comunicação nos últimos tempos. O cuidado em narrar uma parte da vida em algumas folhas para alguém que só conhece por meio de cartas e a ansiedade em esperar a correspondência são o que motivam o estudante universitário Tiago Castelo a se comunicar por meio de cartas.
Aos 20 anos, ele desconstrói a ideia de que as correspondências manuscritas estão ligadas às pessoas de gerações antigas. Em 2000, ainda na época da escola, Tiago começou a guardar em um caixinha de madeira as cartas e bilhetes trocados com os colegas, e alimenta a coleção até hoje. Fruto da geração que cresceu com a Internet, Tiago reconhece que o teor das cartas sofreu modificações. "Como essa prática é cada vez mais rara, as cartas ganham um novo significado, não são mais notícias simples, assuntos que ficariam obsoletos, mas as histórias da vida de cada pessoa, narradas ali".
Conselhos atemporais de amigos e promessas de encontros após certo número de cartas trocadas integram o conteúdo guardado na coleção de Tiago. "No fim do ano passado, conheci pessoalmente um amigo com quem trocava cartas desde 2009, foi mágico, era como se fôssemos vizinhos antigos", descreve. Apesar de ser amante declarado da correspondência escrita, Tiago não é radical com as tecnologias, tanto que usa as redes sociais como ferramenta para encontrar novos correspondentes.
Foi através do Corresponda-se, reunião de escritores de cartas no Facebook, que Tiago encontrou boa parte dos escritores resistentes. O grupo foi criado pela fotógrafa e estudante de Letras Jamile Queiroz, 21, ainda na época do Orkut. "Nos acostumamos tanto com mensagens instantâneas que perdemos essa 'magia'. Eu, pelo menos, escrevo muito melhor num papel do que pela tela de um computador".
A ideia do grupo, segundo a criadora, é manter o encantamento pela escrita. O Corresponda-se, hoje com cerca de 600 participantes, funciona como um amigo secreto, em que, a cada temporada, é feito um sorteio para definir quem serão os destinatários de cada membro. Para entrar no grupo, a seleção é simples, segundo Jamile: "Basta amar escrever cartas".
À moda antiga
A escrita sempre foi a melhor forma de expressão para a dona de casa Maria Hercília Bezerra Peixoto, 70. Quando o filho, o gerente de qualidade Flávio Emílio Bezerra, 37, foi morar no Rio de Janeiro, em 2002, as cartas se transformaram em aliadas na tentativa de minimizar a saudade e contar as novidades. "No telefone a gente ficava muito monossilábico, e tinha que ser rápido para a ligação não ficar cara. Quando eu escrevia, conseguia me expressar melhor, falar da falta que ele fazia, dizer o que eu estava sentindo", diferencia.
As filhas de Hercília, Márcia Lorena e Luana Carla, foram influenciadas pela mãe a escrever para o irmão, mesmo que eles se comunicassem com frequência através do telefone. No Rio de Janeiro, as saudações cearenses nas folhas de papel eram o conforto de Flávio. "Elas mandavam fotos, me davam forças, faziam dedicatórias lindas, isso era um incentivo para mim", conta.
O filho, que ainda se emociona quando relê as cartas da família, guarda todos os registros dessa comunicação. "Todas as cartas estão guardadas no que eu chamo de caixa de sentimentos", conta. Flávio, que também aderiu aos aplicativos tecnológicos para se comunicar, admite que as mensagens instantâneas de celular não possuem o mesmo significado das cartas. "Com a modernização, tudo é muito rápido, quase em tempo real, mas com isso, perdeu-se um pouco da parte emocional".

Novos significados valorizam a escrita

Apesar de demorarem mais para chegar ao destino do que um e-mail ou mensagem de WhatsApp, por exemplo, as cartas conseguem transmitir melhor os sentimentos de quem as escreve. Quem defende a máxima é o presidente da Academia Cearense de Letras (ACL) e da Associação Brasileira de Bibliófilos, José Augusto Bezerra.
"Quando você escreve uma carta à mão, ocorre um processo físico e químico ali, uma troca afetiva muito grande. Cientistas dizem que se você estiver aborrecido, ou emocionado, fica um pouco da sua personalidade naquela carta", explica José Augusto, que possui um dos maiores acervos de manuscritos históricos do País.
A caligrafia, na visão do pesquisador, é como a impressão digital de quem escreve, registrando, portanto, a personalidade de cada um em uma folha de papel. Estudioso de manuscritos, José Augusto afirma que é possível fazer interpretações importantes e curiosas das criações literárias de autores a partir dos arquivos escritos à mão.
Por ser um hábito cada vez mais raro, a escrita, para o presidente da ACL, tende a ficar mais valorizada. "É por isso que, quando as pessoas mandam convites impressos para amigos, tomam o cuidado de escrever algum comentário à mão, para deixar claro como aquele convidado é importante", explica.
Valores
Para o professor do curso de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ricardo Jorge de Lucena Lucas, o hábito de trocar cartas adquiriu um significado diferente dentro de um processo comum da história da tecnologia. "Quando algo cai em desuso, ele começa a ser percebido com outro olhar, seja por quem usou aquilo em outro momento ou pelas novas gerações. Foi assim com a fotografia analógica em preto e branco e pode acontecer, também, com as redes sociais".
O investimento simbólico na escrita de uma carta, para Ricardo, enriquece o significado do manuscrito. "A pessoa que escreve pensa na surpresa de quem vai receber aquele envelope".
O professor destaca, ainda, um dos aspectos que diferencia a comunicação por cartas das conversas em redes sociais: a exposição da vida íntima, que ele define como "privacidade publicizável". "De algum modo, na carta, a comunicação era individual, de um para um, não havia essa preocupação em dar visibilidade à vida do autor. Já o Facebook, por exemplo, virou uma espécie de diário em que as pessoas contam o seu cotidiano".

FIQUE POR DENTRO
Correios alia tradição com a tecnologia
A comunicação por meio das novas tecnologias chegou também aos Correios, que inseriu outra modalidade de correspondência no serviço: a carta nacional ou internacional via Internet. Para utilizar o serviço, é preciso acessar a loja online dos Correios, digitar a mensagem a ser enviada, e a empresa se encarrega de imprimir, envelopar, e em seguida, entregar correspondência no destino. Apesar de pular a etapa da escrita, o serviço mantém viva a tradição da correspondência e se alinha às rotinas online, já que está disponível 24 horas.



FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE

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