Por Pedro Burgos | Pedro Burgos
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YAHOO
Se você não esteve nas redes sociais até tarde da noite de ontem, eis o que aconteceu: o Buzzfeed pescou no Tumblr um post em que as pessoas discutiam a cor de um vestido fotografado em uma festa de casamento. Este aí de cima. Para mais de 70% das pessoas que clicaram na enquete, ele é branco e dourado. Mas muitas pessoas o viam claramente como preto e azul. Isso gerou uma discussão absurda no Twitter, Facebook e afins, e formaram-se times de acordo com a afinidade visual.
Para deixar claro: o vestido abaixo é preto e azul, há uma explicação científica para quem viu outra coisa. Chegaremos lá.
O interessante foi o tamanho da celeuma. O post entrou no ar pouco depois das oito da noite (horário de Brasília) e no meio da madrugada já encostava em 20 milhões de visualizações (mais do que qualquer vídeo do Porta dos Fundos conseguiu em dois anos, por exemplo).
Ilusões de óticas sempre geram curiosidade, porque são divertidas – quem não lembra da série de livros “Olho Mágico”? Mas a mágica deste mundo hiperconectado em que vivemos é que temos a sensação que estamos dividindo a mesma experiência, ao mesmo tempo. No caso, essa sensação foi bem real: o Buzzfeed chegou a ter mais de 600 mil pessoas acessando o mesmo post ao mesmo tempo, um recorde histórico, que fez o servidor deles balançarem.
Ao ver a quantidade de tuites simultâneos sobre o assunto, parecia que subitamente todo mundo estava em uma mesma sala, olhando para a mesma foto, e em caixas de comentários, retuitadas e mensagens, compartilhávamos as percepções. A sensação de “experiência coletiva” que muitos estudiosos de redes sociais comentam, parece só existir quando de fato há algo acontecendo ao vivo, como a final da Copa ou o último capítulo da novela. Mas o poder de viralização – especialmente do Buzzfeed, turbinado pelo Facebook – transformou um post bobo, estático, em um megaevento ao vivo. Parecia, por um brevíssimo período de tempo, antes da charada ser “solucionada”, que isso era um assunto sério e urgente. Pra qualquer pessoa. Veja, por exemplo, o tamanho da repercussão deste tuite da Taylor Swift:
E as marcas, obviamente, pegaram carona, como a Microsoft:
Em questão de minutos, Sony, Amazon, Victoria’s Secret, times de basquete e futebol americano, empresas de aviação, montadoras, jornais, TVs, todo mundo nos EUA quis se mostrar dentro do assunto do momento e “opinar” sobre a polêmica e parecer gente como a gente (ou como os americanos, onde a coisa foi mais forte). Foi um movimento incrível (ou incrivelmente bobo, como você quiser imaginar), que um jornalista definiu como a “singularidade do viral”.
É verdade que a viralização se sustentou por uma polêmica inexistente. Porque não havia “opinião”, ou times. O vestido era azul e preto, segundo quem esteve na ocasião que ele foi fotografado (ou a Adobe, que usou a ferramenta que verifica o código da cor).
Uma hora depois do início da discussão começou então uma corrida entre os sites mais “sérios” para ver quem dava a explicação científica primeiro. Houve gente que disse que era uma diferença dos cones do olho de cada pessoa, ou que o azul é uma cor menos “forte” (em espectro), ou que era só uma foto superexposta. Neurocientistas e especialistas em visão eram acordados de noite para dar entrevistas e explicar o fenômeno. Por que, afinal, tanta gente vê a mesma imagem diferente? Ou, pior, por que a mesma pessoa pode ver a mesma imagem em cores diferentes mesmo sabendo o que é o certo?
A ciência
O fenômeno é razoavelmente conhecido como “ilusão de luminosidade”, e explicado nessa imagem clássica, tirada da Wikipédia:
Na foto, A e B têm a mesmíssima cor. Mas o que está em volta faz a parte do cérebro responsável por formar a imagem presumir a cor “certa”. Afinal, o que vemos normalmente na nossa vida na verdade é uma aproximação da realidade. Explica a Wikipédia (baseada neste artigo do MIT):
“É uma “ilusão” que mostra o sucesso do sistema visual. Não é um bom medidor de luz, mas esse não é o seu propósito: se o sistema visual se baseasse apenas na luminância, não distinguiríamos uma superfície branca mal iluminada de uma superfície negra muito iluminada. A capacidade que o sistema tem para o fazer é aquilo a que se chama a “constância da luminosidade”.
Voltando ao vestido: se você observá-lo contra outro fundo, com a exposição ligeiramente melhor calibrada, provavelmente o verá preto e azul. A Wired ajustou apenas a luminosidade da imagem e a colocou em uma boa reportagem sobre a ciência do fenômeno:
A explicação mais longa é que o olho humano foi adaptado para enxergar com a luz natural. E nós estamos o tempo todo “descontando” a variação de cor da luz solar, do alaranjado pela manhã, ao dourado do meio-dia, ao azulado-lilás de tardinha, para tentar formar algo próximo da cor real. “Então as pessoas ou tentam descontar o lado azul, o que no caso faz elas perceberem o vestido como branco e dourado, ou descontar o lado dourado, o que no caso faz você chegar ao azul e preto”, disse Bevil Conway, neuroscientista da Wellesley College nos EUA, que estuda a visão, à Wired.
Ele e outros cientistas confirmaram que o escândalo do vestido foi um fenômeno de viés de percepção visual bastante único. E seria só mais um entre vários (lembra das lhamas em fuga, no mesmo dia?), se não fosse o fato de que, com as redes sociais, todo mundo estava olhando para a mesma imagem, e discordando. Aí deixou de ser só uma curiosidade científica para ser uma amostra inequívoca do alcance global das bobagens virais, os memes, que se formam e morrem todo dia. E, cá entre nós, poderia ser bem pior. Ninguém brigou de verdade, e acabamos aprendendo uma informação científica de bônus.
E o vestido branco e dourado nem era tão bonito assim! ;)
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