Bruce Jenner mostra sua mudança na Vanity Fair
Homem trocar de sexo depois de velho é esquisito. Se fosse rotina não era notícia. E Bruce Jenner não estava na capa deste mês da Vanity Fair, a maior revista de celebridades do mundo. Bruce, não: Caitlyn.
“Trocar de sexo” é termo impreciso: a gente nasce e morre com os mesmos cromossomos. O termo que se usa é “identificação”. Bruce nasceu e viveu 65 anos como homem, mas agora se identifica como mulher.
Bruce foi muito famoso nos Estados Unidos. Ganhou medalha de ouro no decatlo nas olimpíadas de Montreal, 1976. Minha geração cresceu vendo ele na revista Manchete, em pontas em filmes e seriados, e depois nunca mais.
Nos EUA nunca saiu da mídia. Foi ícone de macheza, garoto propaganda de mil produtos diferentes, convidado de todos os talk shows. Substituiu Erik Estrada no seriado Chips, pô! Todos os meninos queriam crescer para ser igual a Bruce. Montou empresas, ganhou dinheiro. O sonho americano em pessoa.
Bruce na série CHiPS
Bruce casou três vezes. Fez quatro filhos, A terceira esposa trouxe para o casamento três filhos, e o sobrenome do marido anterior: Kardashian. Em 2007 começou o reality show mostrando “os bastidores” da família. É um fenômeno de audiência até hoje. Já gerou centenas de milhões de dólares de receita, e sub-programas diversos. Kim, a mais célebre, é uma estrela de primeira grandeza – sem cantar, atuar, sem nunca ter feito nada de notável fora ser bonita e famosa.
Jovem se assumir homossexual a gente já acostumou. Ou se identificar como mulher. Ou a garota se identificar como garoto.
Ser um jovem gay vai ser tornando mais aceitável socialmente, conforme nossos filhos e sobrinhos e netos saem do armário, e aceitamos, porque o amor é mais forte que o preconceito.
Bruce com a família em 1995
Agora, demorar um tempo para se assumir é uma coisa. Demorar a vida toda é um pouco demais. E se se quem se assume gay não é seu filho, mas seu pai? Seu coroa, que sempre foi macho pra dedéu, ou pelo menos era o que você pensava, e aliás fez você com sua mãe. De repente aquele senhor pelancudo e enrugado anuncia para o planeta que na verdade é mulher. Com roupa de mulher. Peitos de mulher, verdadeiros ou postiços. Voz de mulher. E mais chocante: papo de mulher!
Nunca é tarde demais para ser feliz, dirá um romântico. Mas o que será que dispara uma mudança tão grande, na vida de uma pessoa que já viveu tanto? Boa coisa para perguntar para um psiquiatra. Como meu pai. Rende um bom papo no nosso próximo encontro.
E aí me ocorre que prefiro meu pai como ele é. Sendo homem e se portando como homem. Imagino que ia continuar gostando dele, se começasse a usar batom e saia aos 78 anos de idade. Mas prefiro não ver meu velho de batom, saia e sutiã. É preconceito? É o que é.
Quando li pela primeira vez sobre a mudança de Bruce Jenner, pensei: é inveja do sucesso das filhas. Ele declarou várias vezes que jamais se sentiu atraído por outros homens e sempre foi heterossexual. Para completar, vota no Partido Republicano. Sempre foi, e continua sendo, cristão. E, minha opinião, é e sempre foi gay, mas gay enrustido, como tantos atletas machões.
Imagine que vida cheia de contradições. E imagine a dureza de envelhecer como coadjuvante para umas molecas arrivistas. As Kardashian são as mulheres mais famosas dos Estados Unidos, referência (pro povão multirracial, não para a elite) de beleza, chiquê, sex-appeal. Bruce perto delas decaiu para papel de parede. Ofensa imperdoável para o ego e espírito competitivo do atleta olímpico? Separou da mulher esse ano e já chama mais atenção que a família inteira junta.
A Vanity Fair jamais colocaria Bruce Jenner na capa. Caitlyn Jenner lá está, uma senhora anglo-saxã, toda repuxada de plástica e retocada de photoshop.Tem seus cinco minutos a mais de fama eternizados pela fotógrafa-estrela Annie Leibowitz. É um perfeito retrato da nossa época. No século 21, sexualidade e celebridade se confundem. Sim, cada um faz o que quer com seu corpo. Mas para Narciso, basta o próprio reflexo – sob as palmas e os holofotes.
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