CEARÁ AGORA
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) encontraram, pela primeira vez fora do continente africano, macacos infectados pelo vírus zika. A descoberta no Brasil indica que, por ser capaz de contaminar outros hospedeiros além dos humanos, a doença se espalha com mais facilidade e pode ser mais difícil de ser contida do que os especialistas imaginavam.
“Esse é um achado que nos deixou muito preocupados porque mostra que o zika veio para ficar. Assim como no caso da febre amarela, o vírus tem um ciclo não só em humanos, mas também em animais silvestres, que podem tornar-se um reservatório. É por isso que, no caso da febre amarela, mesmo com a vacina, a gente nunca conseguiu erradicar o vírus, porque ele fica circulando entre os primatas. Isso não acontece com a dengue, por exemplo”, explica Edison Luiz Durigon, professor titular do departamento de microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e um dos coordenadores do estudo, cujos resultados preliminares foram publicados no periódico bioRxiv.
Os macacos infectados pelo zika foram encontrados em diferentes regiões do Ceará entre os meses de julho e novembro do ano passado. Cientistas do ICB-USP e do Instituto Pasteur estavam no local capturando saguis e macacos-prego para um estudo sobre a raiva.
“Resolvemos testá-los também para o zika e, para nossa surpresa, 29% das amostras deram positivas, todas elas de macacos capturados em áreas onde há notificação de zika e ocorrência de microcefalia”, diz o pesquisador, um dos integrantes da Rede Zika, força-tarefa de cientistas paulistas criada no ano passado com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para estudar o vírus.
Método
Para testar os macacos, Durigon e os colegas utilizaram a técnica PCR em tempo real, que detecta a presença do vírus no organismo do animal. Após passarem pelo exame, os macacos tiveram um microchip implantado e foram devolvidos ao hábitat natural.
Na pesquisa, foram capturados 15 saguis e 9 macacos-prego, todos eles com hábitos domésticos ou que viviam próximos aos humanos. Dos 24 animais que passaram pelo exame, sete estavam com zika: quatro saguis e três macacos-prego. Foram encontrados animais infectados tanto na região costeira do Ceará quanto nas áreas de caatinga e de floresta.
“Estes não são macacos completamente silvestres, eles costumam ir às casas das pessoas para buscar comida e ali podem ser contaminados, voltando para o ambiente selvagem levando o vírus e, inclusive, infectando outros tipos de Aedes. Por enquanto, é o humano que está provocando a infecção do macaco, mas daqui a pouco pode ser o contrário”, afirma o professor do ICB-USP.
Dengue x zika
O resultado encontrado pelos pesquisadores brasileiros pode apontar para um dos motivos de o zika ter se disseminado tão rápido pelas Américas. Em menos de dois anos, a doença já foi identificada em 35 países do continente, enquanto a dengue levou décadas para se espalhar na mesma amplitude.
A dengue, no entanto, é incapaz de infectar macacos e, portanto, não tem o chamado reservatório em animais silvestres.
“O que acontece com os vírus é que, para eles se multiplicarem em um organismo, precisam que as células de um indivíduo tenham um receptor. Eles só conseguem infectar as células que são permissivas a eles. Mesmo se um mosquito positivo para a dengue picar o macaco, não consegue infectá-lo porque não há esse receptor nas células. Já no caso da zika, descobrimos que sim”, diz Durigon.
Embora a infecção por zika já tivesse sido detectada em macacos da África, os cientistas se surpreenderam porque os primatas do novo e velho mundo, como são classificados, têm estruturas genéticas e suscetibilidade a doenças diferentes. Não havia, portanto, a obrigatoriedade de um primata do continente americano ser suscetível à infecção por zika.
Com o achado, os pesquisadores pretendem retornar ao Ceará em meados de maio para fazer exames em mais macacos e tentar recapturar alguns dos animais já testados para que eles sejam estudados de forma mais aprofundada.
Fonte: Estadão Conteúdo
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